Night of the kings (2020)

Título original: La nuit des rois

Países: Costa do Marfim, França, Canadá, Senegal

Duração: 1 h e 33 min

Gêneros: Drama, fantasia

Elenco Principal: Bakary Koné, Steve Tientcheu, Jean Cyrille Digbeu

Diretor: Philippe Lacôte

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt8132778/


Opinião: “Uma experiência audiovisual relevante e subjetivamente explicativa através de disputas por poder seculares na Costa do Marfim.”


Sinopse: Um jovem é enviado para “La Maca”, uma prisão governada por seus prisioneiros na Costa do Marfim, no meio de uma floresta. Com a lua vermelha nascendo, ele é designado pelo chefe para ser o novo “Roman” e deve contar uma história aos outros prisioneiros.


Night of the kings” é um “filme de prisão” que foge bastante de esteriótipos de obras similares, não apenas pelas peculiaridades da prisão em que se passa, que possui regras próprias e um líder entre os presos, que é intitulado de “Dangorô”, mas através da utilização de uma tradição – ou uma cultura incomum – que é personificada através do Roman, que é um contador de histórias, o qual deve criar e contar uma história em uma noite que apresente o fenômeno da lua de sangue – ou lua vermelha -, e, caso termine antes da lua desaparecer, será assassinado. Esse evento é chamado de “Noite de Roman”. A obra de Lacôte constrói esse contexto interessante e diferente, mas não se furta de exibir tramas selvagens e jogos de poder que costumeiramente aparecem nesse tipo de filme, ou seja, trata-se de uma narrativa ao mesmo tempo original e recorrente, que inegavelmente se sobressai por suas especificidades.

O Roman do filme é um prisioneiro recém-chegado, cujo nome nunca é revelado, que foi incumbido do papel de contador de histórias pelo Dangorô, o Barba Negra, como forma de afastar facções sedentas por poder na prisão por um pouco mais de tempo, já que, por estar doente e cada vez mais incapacitado de “governar”, ele, pelas regras da cadeia, deve tirar a própria vida. Roman é um personagem que, em sua concepção, deriva do chamado griot, que segundo a Wikipedia, “é um indivíduo que, segundo a cultura da África Ocidental, tem por vocação preservar e transmitir as histórias, conhecimentos, canções e mitos do seu povo”. Entretanto, na narrativa, seu contexto é perverso para si mesmo, pois sua sobrevivência depende de sua engenhosidade narrativa na contação de sua história. Nesse ínterim criativo, o diretor divaga à vontade em uma linha do tempo secular, que utiliza elementos do realismo fantástico para correlacionar acontecimentos fictícios ou não de seu país, desde a disputa por poder entre povos antigos (e místicos), até a política de sua época, principalmente a Guerra Civil durante a primeira década do século XXI, além de outros diversos episódios nefastos e contemporâneos do país marfinense. Assim, o diretor utiliza a história de Roman para explicar um ciclo atemporal de violência e como esse ciclo afetou seu país, e, por tudo isso, não é difícil perceber que é necessário algum embasamento histórico para que o espectador capte, pelo menos de forma mínima, as pretensões de Philippe Lacôte em sua narrativa. Convenhamos que conhecer as realidades da Costa do Marfim em diversas épocas é para muito poucos. Entretanto, por a história se originar também da imaginação de seu protagonista, o trabalho interpretativo imposto pela adoção do realismo fantástico e pela narrativa intrincada, torna-se um pouco menos penosa para o público, mas é inegável que o filme é um tanto quanto inacessível para o espectador médio.

A compreensão do papel do personagem da história de Roman, chamado de Zama – ou Rei Zama é de fundamental importância dentro da obra, pois ele representa o elo geracional entre os contextos referenciados. O filme deixa claro que, no dia de sua prisão, Roman foi testemunha ocular, pela camisa que está usando, da morte de Zama, líder de uma quadrilha chamada de Micróbios, que tomou corpo após a prisão real do presidente do país em determinada passagem. Zama era, segundo o filme, o “faz-tudo” do novo governo – algo como os milicianos no Brasil. Com essa informação, com a presença in loco do protagonista em cenas reais inerentes a Zama e com o contexto da peculiar da prisão em que se passa o filme, depreende-se que há o desnudamento de uma sociedade turbulenta, mas independente, na qual os criminosos estabelecem suas próprias leis e costumes, principalmente baseadas na força e na violência.

Destaco dois momentos grandiosos da obra, principalmente para o apreciador do bom cinema: primeiramente, a batalha entre a rainha e seu irmão golpista (em algum tempo longínquo), que evidencia diversos simbolismos visuais da cultura africana e lança mão de toda mágica provida pelo realismo fantástico para introduzir o irreal na narrativa; e, por fim, as reações dos detentos às cenas narradas por Roman em sua história. Por meio de pantomima, da música e da dança, eles interpretam “de forma africana” tudo o que conseguem absorver da história do Rei Zama. A cena em que um dos detentos imita um escorpião é simplesmente fantástica. O público carcerário literalmente fica em êxtase com a história, já que reflete suas próprias realidades ou – mais provavelmente – suas próprias aspirações criminosas, levando-os a um nível de atenção como um transe. Tais momentos são tão envolventes para os personagens, despertaram tanta paixão, que uma explosão acabou sendo inevitável no desfecho do filme.

Em relação aos aspectos técnicos da obra, percebe-se que há mais do que apenas uma soma natural das partes constituintes de qualquer filme, pois uma combinação magistral de som, luz, imagens, movimento e narrativa proporcionam uma impressionante jornada cinematográfica, que agrada sobremaneira, e, mais uma vez através de Philippe Lacôte, coloca a Costa do Marfim no cenário cinematográfico mundial, com a participação em diversos festivais importantes.

Ao fim “Night of the kings“, o “As mil e uma noites” marfinense, acaba cativando pela mistura de elementos fantasiosos, culturais e históricos relacionados a um cenário vívido de alto realismo. Com seu filme, Lacôte provê um passeio artístico entre eras, vagueando sobre mitos e a realidades e utilizando o passado de forma épica e/ou mágica para levar a uma compreensão de um presente específico. É um filme complexo, mas especialíssimo, que manipula com louvor as potencialidades da linguagem do cinema e lança mão de uma narrativa deveras incomum para contar a sua história através de seu peculiar “narrador”. É realmente um must see movie, que tem boas chances de chegar à final do Oscar de melhor filme internacional 2021.

Obs. 1: Particularmente, acabei achando o filme mais especial ainda pela referência explícita ao nosso brasileiríssimo “Cidade de Deus” (2002).

Obs. 2: Tanto no texto quanto na tradução do filme utilizei o nome do protagonista como “Roman”, pois é o que se escuta falar durante a exibição. A tradução “romano” também seria adequada.

O trailer com legendas em inglês segue abaixo.

Adriano Zumba


TRAILER

6 comentários Adicione o seu

  1. Junior Antonio J Oliveira disse:

    Obrigado, por ter compartilhado! Mas se me permite um adendo, por qual motivo, as legendas está na parte superior do filme? Isso atrapalha um pouco a compreensão. Se o amigo quiser me mandar os arquivos de filme e legenda, eu posso colar a legenda de uma maneira que fique mais atraente. No mais, é isso. TKS!

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    1. Júnior, é pq o único release que existe na net hoje em dia para esse filme tem legendas hardcoded (coladas) no arquivo de vídeo. Não quis botar embaixo, mesmo com um fundo de outra cor, para não ficar poluído. Se vc observar, nos outros vídeos que disponibilizo, as legendas ficam embaixo mesmo, pois é o padrão.

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      1. Junior Antonio J Oliveira disse:

        Entendi… É que não consegui encontrar o release de jeito nenhum e (meu gosto) prefiro com a legenda embaixo mesmo.

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  2. Junior Antonio J Oliveira disse:

    Eu costumo usar, nos filmes que eu legendo, o programa Estudio conversor de video. da Apowersoft, que tem em suas opções, colocar a legenda sobre uma tarja preta., na fonte e no tamanho que ficar mais atraente. Se quiser uma ajuda, eu poderia usar ele neste filme. Obrigado!

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    1. Uso o mesmo programa, Júnior, e conheço o recurso.
      Mesmo assim, obrigado pela disponibilidade em ajudar.

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