Hope (2019)

Título original: Håp

Países: Noruega, Suécia, Dinamarca

Duração: 2 h e 10 min

Gênero: Drama, romance

Elenco Principal: Andrea Bræin Hovig, Stellan Skarsgård, Elli Rhiannon Müller Osbourne

Diretora: Maria Sødahl

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt9812614/


Citação: “Câncer é como descascar uma cebola.”


Opinião: “Reflexões conjugais em vez de expectativas mortais.”


Sinopse: “Anja e Tomas têm uma vida bastante confortável. Ambos são artistas que trabalham com dança e teatro, respectivamente. Eles têm uma grande família, incluindo três filhos que são frutos de seu relacionamento e dois filhos adultos do casamento anterior de Tomas, mas a vida conjugal deles está um tanto quanto desorganizada. Tomas trabalha em demasia e muitas vezes negligencia sua responsabilidade familiar. Com isso, Anja está ficando ressentida. Tudo é amplificado quando Anja recebe a notícia, poucos dias antes do Natal, de que tem um tumor cerebral incurável originado a partir de outro câncer que havia tido anteriormente.”


Hope” – ou “Esperança” – é um filme que, inicialmente, pela simples leitura da sinopse, deixa a impressão de ser apenas mais um filme sobre os efeitos do câncer na vida de uma pessoa, entretanto, com o desenrolar das situações propostas, nota-se que aspectos relacionados à doença se tornam até secundários, pois o enfoque dado ao relacionamento dos protagonistas – à luz da presença do câncer, por óbvio -, é preponderante. O drama do filme não é sobre câncer, mas sobre relacionamentos de longo prazo, sobre intimidade, sobre amores negligenciados. Trata-se da história da diretora Maria Sødahl contada “da forma como ela se lembra”, como informado explicitamente na obra, o que reforça o viés realista, honesto e sincero observado, e a proposta de desnudar as muitas camadas que se acumulam ao longo da vida de um casamento. Por falar em camadas, elas podem ser atribuídas também ao câncer, como mostrada na citação mais acima, pelo alcance nos mais diversos aspectos da vida de seu portador, pois não se trata de uma doença que machuca apenas o corpo e a mente de uma pessoa, mas mexe com todos ao redor.

Embora, à primeira vista, os personagens possam parecer banais e estereotipados, são bem desenhados psicologicamente e não atuam de acordo com um modelo pré-definido, ou seja, não é previsível, não deixando o filme cair em um sentimentalismo forçado, pois a temática do câncer no cinema tradicional possui um caminho perfeito para a produção daqueles melodramas dilacerantes e emocionais ao extremo. A esperança automaticamente aflorada em um filme com essa temática, todavia, vai muito além e não representa nem um romance sem sentido nem um drama sombrio. A dura situação inicial revela conflitos reprimidos e o amor que foi lentamente desgastado ao longo dos anos, preparando o cenário para uma série de confissões dolorosamente realistas (um dos pontos altos do filme, no meu entender). Nesse contexto, à medida que o corpo e a mente são destruídos, todos os anos das vidas dos protagonistas começam a parecer infelizes e as dores – em sentido amplo – de Anja tornam cada uma das palavras e ações de Thomas indigeríveis. Após o choque de ser confrontada com a finitude da vida, que normalmente é suprimida do cotidiano pela correria do dia-a-dia, Anja promove mudanças em seu íntimo, e a esperança, que é o ponto central do filme, acaba refletida em diversas aspectos particulares de seu eu: no retrato de uma mãe amorosa e preocupada, na artista ambiciosa e na esposa tolerante, mas cansada. De imediato, essa mulher pensa no futuro de seus filhos, ainda menores, e, principalmente, na possibilidade de lhes faltar a atenção devida após sua morte. E, claro, ela revê sua vida pessoal e seu relacionamento com Tomas, afinal é momento de, talvez, uma reflexão final.

A diretora organiza o filme dentro de uma linha do tempo peculiar: os dias que antecedem o Natal e logo após o Ano Novo. Mas esse período destaca a experiência temporal acelerada da condição de Anja, além de produzir obstáculos burocráticos, pois, por exemplo, Anja deve esperar até depois das férias dos médicos para realizar sua cirurgia, apesar da urgência de seu caso. Mas, acima de tudo, “Hope” retrata o “momento da doença” – aquele crepúsculo inexplicável entre a normalidade forçada e o choque de realidade que reorganiza as vidas de todos na órbita da doença terminal. Esse fenômeno é apresentado e desenvolvido da maneira mais prática possível, exibindo depressão, ternura, recriminação, e, no final – quando chega o momento mais necessário para que a esperança tome corpo, quando Anja está na mesa de cirurgia já prestes a perder os sentidos pelos efeitos da anestesia – incerteza absoluta, que, por sinal, é retratada com uma beleza realmente comovente pela delicadeza da cena exibida. Pessoalmente, foi o desfecho que eu gostaria.

A proposta do roteiro é realmente muito boa, mas o sucesso talvez não fosse alcançado se não fosse a química em tela do casal de protagonistas, cujo entendimento entre seus intérpretes foi absoluto. Andrea Bræin Hovig, em uma atuação fantasticamente dolorosa, e Stellan Skarsgård, apresentando um distanciamento um tanto quanto próximo que é exigido de seu personagem, caminham ao encontro um ao outro, até seus próprios limites, de uma maneira cuidadosa e deveras sofrida, que é o resultado de décadas de experiências compartilhadas. Ambos são muito bons, porque captam bem a necessidade do roteiro em construir seus personagens tanto a partir de diálogos, quanto de silêncios, olhares e gestos.

Nessa bela obra do cinema nórdico, não há reflexão sobre a vida após a morte, nem mesmo sobre a vertigem que a morte deve produzir, pois a indagação é sobre presente, sobre o cotidiano. Através da dramatização íntima da história de um casal, pode-se afirmar que o filme proporciona a crônica de toda a existência de uma família, com a exaltação do sentimento chamado esperança, pois, em muitas situações da vida, é ele que move as pessoas.

O trailer com legendas em inglês segue abaixo.

Adriano Zumba


TRAILER

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