Mães de verdade (2020)

Título original: Asa ga kuru

Título em inglês: True mothers

País: Japão

Duração: 2 h e 20 min

Gênero: Drama

Elenco principal: Aju Makita, Hiromi Nagasaku, Arata Iura

Diretora: Naomi Kawase

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt10418630/


Opinião: “Sensíveis e sofridos olhares sobre uma situação controversa.”


Sinopse: O casal Kiyokazu Kurihara e Satoko decide adotar um bebê pela infertilidade de Kiyokazu. Seis anos depois, felizes no casamento, eles recebem uma ligação de uma mulher chamada Hikari Katakura alegando ser a mãe biológica de Asato, o filho adotado do casal. Agora, ela quer seu filho de volta e resolve chantagear a família pedindo dinheiro.


O título, “Mães de verdade“, representa e caracteriza bem a seara em que a diretora Naomi Kawase pretende adentrar com seu novo filme, o que coaduna perfeitamente com sua filmografia. Discussões profundas sobre a família e, principalmente, sobre a maternidade, sobre a finitude, são seus temas preponderantes. É bom lembrar que ela mesma filmou seu próprio parto natural e o apresentou em forma de documentário. No filme em tela, Kawase promove um debate sobre a maternidade em várias camadas, utilizando diversas perspectivas sobre o assunto através de duas personagens e suas experiências maternas, tendo como pano de fundo a temática da adoção – algo muito sensível no Japão. Claramente já se nota a riqueza da narrativa e a necessidade de não se ater a um só ponto de vista, proporcionando muitas reflexões acerca das situações propostas. O melhor de tudo é que tais perspectivas são apresentadas ao público por intermédio de um passeio temporal nas vidas das protagonistas, através de um trabalho de edição e montagem excepcionais e requintes artísticos de muito bom gosto através da fotografia, que exalta a natureza, da trilha sonora e da paleta de cores, que, diga-se de passagem, acompanham a aura de cada personagem principal ao longo do filme.

Inegavelmente, o grande mérito de “Mães de verdade” é a diversidade de pontos de vista que são encapsulados no mesmo filme, isto é, não há a defesa explícita de uma única corrente de pensamento. Essencialmente, duas facetas do polígono maternal são exaustivamente trabalhadas: o lado da adotante, Satoko, e da mulher que colocou seu filho para a adoção, Hikari. Subsidiariamente, um terceiro lado também é mostrado, mas em menor grau: o lado da responsável pela “clínica de apoio à adoção”. Para que um processo de adoção tome corpo, há de haver a oferta e a procura, e o filme não hesita em apresentar esses dois lados detalhadamente em um didatismo que acaba alongando demais a exibição. Inicialmente, um casal vive feliz com seu filho, mas pare que chegasse a esse momento muita água passou por debaixo da ponte, e o filme começa uma verdadeira viagem revelando detalhes da vida de vários personagem ao longo do tempo. Kiyokazu é infértil, e juntamente com sua esposa, Satoko, vivem a frustração de não poderem gerar filhos, cogitando até mesmo um divórcio e contando inclusive com a oposição do destino para a resolução do problema – vide a cena do cancelamento do voo. É bom salientar que o enfoque em Satoko é quase total nesse contexto, pois os sentimentos envolvidos pela maternidade – ou pela impossibilidade dela acontecer – são o mote do filme. Após a exibição de um programa de TV sobre adoção, quando são apresentados a eles os serviços da clínica Baby Baton, durante, talvez, o período de maior desengano e desesperança do casal, o desejo da “procura” – citada mais acima – desabrocha rapidamente. Mais à frente na narrativa, após o momento da adoção propriamente dito, a segunda protagonista é apresentada, Hikari, uma menina de 14 anos que engravidou inocentemente de seu primeiro amor, mas, pelo prognóstico quanto a sua vida sob os olhos da sociedade tradicional japonesa, acaba se isolando/escondendo na ilha onde funciona a Baby Baton para receber os devidos cuidados e disponibilizar seu filho para adoção. Em flashbacks de todo o processo, desde o momento em que conheceu seu namorado, a “oferta” toma corpo no filme. O contexto de Hikari se modifica durante o desenrolar do filme, e o medo e insegurança inicialmente apresentados, aos poucos, tornam-se simplesmente amor materno. Resumidamente, pode-se dizer o amor entre mãe e filho é apresentado de duas formas, sob a ótica da mãe adotante e da mãe biológica, cada uma com sua própria história de vida. Será que ambas podem ser consideradas como mães de verdade?

A despeito da premissa narrativa muito pertinente e interessante, o filme carrega em demasia o viés dramático que apresenta, mas com um “respeito oriental” para não se tornar piegas. Essa estratégia pode ou não ser considerada um defeito, afinal a temática desenvolvida permite essa abordagem. Posso sim tratar como falhas algumas passagens específicas, que remetem ao encontro futuro entre as duas protagonistas, quando Hikari reclama seu filho de volta à Satoko, chantageando-a. Primeiramente, o casal não reconhecer a mãe biológica do menino Asato foi algo extremamente forçado, pois tanto Kiyokazu quanto Satoko ficaram cara a cara com Hikari no momento da adoção, e a jovem, em relação à seu retrato pretérito, apresentou-se apenas com os cabelos maiores e com outra tonalidade. Qualquer mínima semelhança naquele contexto deveria ser levada em consideração, afinal o próprio sigilo com que todo o processo de adoção foi realizado já restringia sobremaneira a possibilidade do aparecimento de uma golpista, por exemplo. Outro aspecto que desagrada é a introdução da personagem Tomoko na história, cuja função é apenas gerar necessidade financeira à Hikari, que, após anos de sofrimento sem o seu filho, influenciando diretamente em sua vida, possuía motivos mais do que suficientes para buscá-lo, sem a necessidade de pedir dinheiro à família Kurihara. No meu entender, a introdução dessa nuance no turbilhão de sentimentos que já existia na narrativa foi totalmente sem sentido, pois retira o enfoque proposto pelo roteiro, além de representar outro motivo para alongar desnecessariamente a duração do filme (2 horas e 20 minutos de exibição).

Com todas as suas virtudes e supostas falhas, “Mães de verdade” apresenta um desfecho bastante digno e condizente com a principal reflexão proposta. Sem exageros, sem apelações sentimentais, mas com alta carga (melo)dramática, a cineasta realmente entrega um belo trabalho para o mundo cinematográfico, que manipula as emoções de seu público com muito cuidado, com muito esmero, e promove, como é característica sua – pela observação de sua filmografia -, debates, discussões, reflexões e uma lenta digestão sobre suas temáticas. Não é uma obra-prima, mas é um filme absolutamente apreciável.

O trailer com legendas em português segue abaixo.

Adriano Zumba.


TRAILER

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.