A sun (2019)

Título original: Yangguang puzhao

País: Taiwan

Duração: 2 h e 36 min

Gêneros: Drama, policial

Elenco principal: Chien-Ho Wu, Yi-wen Chen, Greg Han Hsu

Diretor: Mong-Hong Chung

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt10883506/


Citações:

  • “Aproveite o dia. Escolha seu destino. A vida é como uma estrada. Enquanto segurar o volante, parar nos semáforos vermelhos, ir devagar nos semáforos verdes e dirigir na defensiva, a estrada da vida será tranquila. Você deve lembrar do que errou e tentar corrigir da próxima vez.”
  • “A coisa mais justa do mundo é o Sol. Não importa a latitude, todos os lugares do mundo recebem dias e noites igualmente. Fomos ao zoológico há alguns dias. O Sol estava intenso! Nem os animais estavam aguentando. Todos deram um jeito de se esconder na sombra. Tive um sentimento nebuloso indescritível. Como eles, também desejei poder ficar na sombra, mas, olhando ao redor, vi que não eram os únicos que podiam se esconder.”
  • “Eu nunca reconheci A-Ho.”

Opinião: “Lento e profundo recorte de uma família com problemas.”


Sinopse: “Uma família de 4 pessoas se fragmenta sob o peso de expectativas não atendidas, da tragédia inesperada e de orgulhos potencialmente inabaláveis.”


Nada como um filme que requer bastante interpretação para aguçar a percepção do espectador. “A sun” é um desses “espécimes” cinematográficos, que, utilizando toda a sagacidade do cinema oriental, desenvolve sua complexa narrativa utilizando metáforas e temáticas subjetivas presentes nas entrelinhas de suas cenas, representando um verdadeiro desafio até para a identificação de seu mote, que, aos poucos, aparece imerso na lentidão de sua exibição e em sua demasiada duração. Entretanto, chegar ao fim dessa maratona proporciona uma experiência gratificante e diferente, pois afasta o público do convencional visto nos mainstreams que comumente são ofertados e disseminados.

O filme aborda sobretudo relações familiares através de seus personagens e adota o destino sob diversas perspectivas como fio condutor. A-wen é o patriarca; Qin, a matriacra; A-hao, o filho mais novo; e A-ho, o filho mais velho. O foco recai principalmente sobre os filhos do casal. A-hao é o filho perfeito: gentil, inteligente, estudioso, prestigiado, introspectivo e futuro acadêmico de medicina, sobre o qual a família deposita todas as suas expectativas. Pode-se dizer que A-hao é o sol para todos a seu redor, mas não possui alguém que represente o mesmo para ele, o que pode ser considerado um fardo potencialmente difícil de lidar: a falta de um sustentáculo emocional. Objetivamente, enxerguei em A-hao a função de mostrar que atrás de sua suposta perfeição, esconde-se um lado sombrio dificilmente observável por outrém, ou seja, o íntimo de cada pessoa é absolutamente particular e pode conter diversas surpresas que vão de encontro ao que pode ser identificado exteriormente. A-ho, por sua vez, é o “filho-problema”, que, já no início, apresenta seu cartão de visitas ao público com o cometimento, juntamente com seu amigo, de um crime visualmente perturbador e sangrento, e, com isso, vai para a cadeia com o “incentivo” de seu pai perante o juiz, o que prontamente destaca na narrativa valores caros para uma sociedade oriental tradicional: a honra – como um princípio basilar – e a vergonha – provida pelo fracasso (em educar, nesse caso concreto). Como se não bastasse, após o cárcere, uma jovem moça aparece grávida de A-ho na casa de seus pais. Percebe-se que a frase “escolha seu destino”, que é exaustivamente exibida, por ser o slogan da auto-escola que A-wen trabalha, logo começa a ser desenvolvida na narrativa, após a apresentação dos dois jovens da família. A-ho é o personagem melhor detalhado durante a trama, pois é o agente da percepção da realidade da vida após seus deslizes e uma trágica surpresa reservada à sua família. Ele começa a experienciar o remorso por suas ações e tenta construir um novo destino – para corroborar com o objetivo do filme -, mas fantasmas do passado insistirão em lhe assombrar. Através desse personagem, o filme trabalha a capacidade de mudança das pessoas e a dificuldade de extirparem de suas vidas julgamentos negativos.

Outro destaque, é a caracterização da entidade familiar como um todo após a série de incidentes que marcam sua participação na trama. A família busca formas de se reerguer e lidar com tantos embaraços, as conversas entre seus componentes ficam cada vez mais escassas e todos eles, pais e filhos, precisam lidar com seus erros e suas dores, pois não conseguem expressar o que sentem, fecham-se em seus mundos pessoais, precisam fugir de si mesmos em busca de um caminho. Na tentativa de arrancar a dor de seus âmagos, agem e reagem com violência física e psíquica até o limite de suas forças.

O patriarca, A-wen, talvez seja o personagem que mais carrega sofrimento em suas costas, pois precisa aprender a lidar com muitos ressentimentos mergulhados em seu orgulho mais profundo, e reconhecer erros, aprendendo a praticar o perdão, influenciado pelo destino mais trágico que qualquer pessoa possa vivenciar: a perda de um filho. No desfecho do filme, seu encontro com Radish, a pessoa com a qual A-ho cometeu seu crime, é de um simbolismo absurdo em relação ao que a narrativa se propõe, e representa, num único ato, a grande redenção da obra. Também, é protagonista, juntamente com sua esposa, da cena final, que é uma poesia visual, compartilhando um momento ao sol e fechando um ciclo de mágoas e desgraças, com a assunção de culpas, para, quem sabe, escolher um destino mais aprazível para sua família e para si próprio. Um final absolutamente digno e pertinente.

A sun” é uma história complexa, que abriga uma grande densidade policial, a despeito de carregar sobremaneira em seu viés dramático. O ritmo próprio com o qual desenvolve suas temáticas, paulatinamente o conduz para o patamar de uma tragédia social, trabalhando o puro psicológico de seus personagens e demonstrando força através de seus arcos dramáticos particulares e, também, do comportamento da família como uma unidade. Inegavelmente, é um filme difícil, aparentemente pouco atraente pela subjetividade e necessidade de interpretação, mas carregado de simbolismos que implementam bem os seus propósitos. Não é para todos, mas vale muito a pena a jornada.

O trailer com legendas em inglês e mandarim segue abaixo.

Adriano Zumba.


TRAILER

1 comentário Adicione o seu

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.