Oasis (2020)

Título original: Oaza

Países: Sérvia, Holanda, Eslovênia, Bósnia e Herzegovina, França

Duração: 2 h e 02 min

Gênero: Drama

Elenco principal: Marijana Novakov, Tijana Markovic, Valentino Zenuni

Diretor: Ivan Ikic

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt10577318/


Citação: “Ele me mostrou como cortar os pulsos.”


Opinião: “O grito silencioso dos desafortunados.”


Sinopse: “Pessoas na vida real interpretam versões de si mesmas, em um triângulo amoroso situado em uma instituição para jovens com deficiência intelectual.”


Com “Oasis“, o blog começa a jornada anual dentre os filmes indicados ao próximo Oscar de Melhor Filme Internacional – em 2022. Não se pode dizer que a referida jornada começou indubitavelmente com o pé direito, mas, com certeza, com o esquerdo não foi, pois o filme em tela tem algumas qualidades, que já o levaram a conquistar, por exemplo, o prêmio máximo em uma importante mostra destinada ao cinema independente no Festival de Cinema de Veneza no ano de 2020.

O filme se inicia como um documentário, mostrando que, em 1969, foi inaugurado um lar para crianças e adolescentes com necessidades especiais perto da capital da Sérvia, Belgrado, e então um narrador anuncia com otimismo e orgulho que a sociedade sérvia decidiu ajudar essas pessoas desafortunadas – ou infelizes. Quanta nobreza! Ao mesmo tempo, o narrador relata o destino de tais pessoas em tempos passados, para potencializar ainda mais suas afirmações anteriores. Particularmente, já identifiquei um ar irônico nessa introdução, mas isso é subjetivo, assim como diversas outras percepções sobre a obra. Meio século depois, com a premissa inicial na mente do espectador, Ivan Ikic insere a história de seu filme nesse lugar “humanizado e cheio de boas intenções”, apresentando-nos os personagens que, exceto pela presença de dois atores profissionais, são pessoas que pertencem àquele microcosmo particular e possuem um desfecho absolutamente imprevisível. Trata-se de um filme crítico, que exibe pujante hipocrisia e desenvolve o contrário do que é pregado em sua indrodução: a desumanição e a maneira de lidar com “fardos” que a sociedade deve suportar. Nota-se que a combinação de drama documental e ficção caracterizam bem o paradoxo entre a conjuntura que é vendida e a que é efetivamente entregue no plano real e ao espectador através da experiência cinematográfica.

Dividido em três capítulos, intitulados a partir dos nomes dos personagens, o filme apresenta três perspectivas. A primeira é a perspectiva da jovem novata Maria, a segunda é a de sua amiga e “concorrente” Dragana, que é veterana na instituição, e a terceira é a de Robert, um jovem que trabalha na cozinha e nos serviços gerais, o qual demonstra  o tempo todo o seu silencioso sofrimento. Portanto, cada capítulo é mostrado com um ângulo visual-narrativo diferente, o que enriqueçe sobremaneira o argumento que é desenvolvido: um triângulo amoroso num ambiente claustrofóbico, levando-se em conta o modus operandi do local e as dificuldades mentais intrínsecas dos envolvidos.

Através da chegada de Maria à instituição, percebe-se a esperada desorientação, constantes tentativas de fuga e a presença de vãs esperanças de que a mãe a esteja esperando em algum lugar. Ela é imediatamente abordada por uma pessoa já “domesticada” pela casa, Dragana, que, de alguma forma, consegue se conectar com Maria, mas ambas vão interagir com Robert, e então começa a relação melodramática do trio. Desenvolvendo esses delicados esteriótipos, que vivem em seus mundos hermeticamente fechados, o cineasta evita qualquer poetização das temáticas, mas não se furta de estabelecer diagnósticos individuais sobre cada personagem principal. Ao visualizar a perfeição da natureza ao redor da casa, com uma cerca fácil de transpor, como se fosse uma gaiola sem porta, é sugerido o anseio por liberdade dos heróis da trama, mas, imediatamente, lembra ao espectador que essa liberdade não leva a lugar algum, a não ser de volta ao local de origem – para viverem a mesma rotina e serem submetidos aos mesmos tratos.

O ponto de virada na narrativa é a revelação bombástica de Dragana em meados da exibição. Nesse mesmo contexto macro, um simbolismo de grande carga semântica é o encontro confessional, mas em silêncio, das duas jovens em frente ao espelho do banheiro – e a violência apresentada. O vidro do espelho se estilhaça, e, um pouco mais tarde, já no desfecho do filme, um fragmento desse vidro quebrado termina nas mãos de Robert, tornando-se tardiamente a primeira alegoria sobre sua afeição emocional, ou seja, apenas nos minutos finais é revelado um norte para uma nuânce importante da história, para corroborar com a proposta do filme, que é não entregar nada de bandeja para o espectador. Essa imposição é um grande desafio, pois os elementos e acontecimentos postos à apreciação do espectador muitas vezes nada significam: longas caminhadas acompanhando os personagens, demoradas lavagens de pratos, escovações completas dos dentes, constantes fechamentos de portas, outras atividades corriqueiras do dia-a-dia, etc., além da exibição do vazio, do nada, da câmera parada em meio àquele silencioso caos em vários momentos do filme. São duas horas de filme com pouco mais de 300 falas. É uma experiência muito maçante, sem sombra de dúvidas, mas muito gratificante para quem consegue se conectar à obra e às almas dos três protagonistas, sentindo “na pele” os efeitos do “encarceramento” em suas vidas.

Com pouquíssimos diálogos, o diretor constrói a história em close para o interior e o exterior de cada personagem, com mudanças de planos gerais e, ao mesmo tempo, a exibição de peculiaridades pertinentes. Nesse equilíbrio, encontramos um reflexo do mundo em que vivemos, proporcionando interpretações diversas para os muitos pequenos fragmentos de vida apresentados, onde, objetivamente, a dor é mostrada como a sensação das sensações – aquela que vem à tona em uma conjuntura de privações e falta de norte. Destacado pelas intensas interações entre os tutelados da casa, cujos rostos e fisionomias fascinam enquanto formam um triângulo em busca do amor em um lugar sem esperança, “Oasis” enfoca, através de muitas sutilezas, as vidas íntimas e emocionais dos envolvidos, num contexto no qual os supervisores representam uma sociedade que muitas vezes não sabe o que fazer com eles, por serem considerados meramente fardos, cujas ações impulsivas acabam confluíndo para o trágico inevitável. A mensagem sociopolítica implícita na temática da institucionalização desenvolvida pelo filme, cujos alicerces serão abalados por personagens suplicantes por simples direitos fundamentais como o amor e a iberdade, é realmente para refletir. O problema é ter disposição para se aplicar uma percepção muito aguçada após 120 minutos de uma experiência deveras enfadonha, a fim de identificar os sinais de fumaça narrativos com todas as suas potencialidades propostos pela obra. Como já salientado, é um desafio!

O trailer com legendas em inglês segue abaixo.

Adriano Zumba


TRAILER

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