Manco Cápac (2020)

Título em inglês: Powerful Chief

País: Peru

Duração: 1 h e 32 min

Gênero: Drama

Elenco principal: Jesús Luque Colque, Gaby Huaywa, Mario Velasquez

Diretor: Henry Vallejo

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt15495170/


Citação: “Para mim, todo ocioso é delinquente.”


Opinião: “Um filme simples que chega ao coração – ou não.”


Sinopse: Elisban chega tarde demais à cidade de Puno, a capital folclórica do Peru com seus tradicionais festivais de dança e música, para se encontrar com seu amigo Hermógenes, com quem iria trabalhar. Sem teto e sem dinheiro, ele sobrevive de pequenos empregos instáveis, em uma cidade que potencializa sua solidão a cada passo. Quem sabe, a inércia de continuar caminhando  sem rumo possa levá-lo a um destino melhor.


Em 2018, o Peru aprovou um projeto de lei de “cinema menor” que deu mais incentivo para as cinquenta e cinco comunidades indígenas do país, o que permitiu que filmes bastante característicos da cultura peruana surgissem, dando origem a um pequeno, mas importante, movimento cinematográfico no país chamado “Cinema Regional do Peru”, cujas obras retratam a cultura do país em meio a sua história, incluíndo tradições andinas, mitologia e lendas amazônicas. “Manco Cápac”, nome do fundador do império Inca, intitula um dos representantes dessa corrente cinematográfica pitoresca, que é o representante do país no Oscar de Melhor Filme Internacional 2022. Trata-se de um drama social muito honesto, que concede visibilidade a todos os seres humanos invisíveis que, por vezes, preferimos ignorar. É uma história atualíssima, principalmente num momento em que o mundo se recupera de uma pandemia que impactou profundamente as economias dos países e onde os postos de trabalho estão cada vez mais sendo precarizados. Seguem abaixo minhas impressões sobre o filme em tela.

Praticamente, “Manco Cápac” possui um personagem único, Elisban, e, então, deve-se jogar todos os holofotes nesse jovem para uma análise mais aprofundada dos meadros narrativos apresentados pelo filme. É através de Elisban, que o filme desenvolve suas temáticas e transmite suas mensagens. Por sua atuação, Elisban parece ser um personagem de avaliações bem maniqueístas, ou se ama, ou se odeia. Trata-se de um jovem de cerca de 18 anos, abandonado pelo pai, com a mãe, que era sua única família, já falecida, sem dinheiro, sem rumo e que vem do campo para tentar uma vida melhor numa cidade maior. Apenas por essas características, é de se esperar que o filme transpire melancolia, tristeza e sofrimento, no entanto, o primeiro ponto positivo se destaca nesse contexto: em nenhum momento a narrativa descamba para o pieguismo através de emoções forçadas por cenas muito fortes e/ou explícitas. Elisban é um rapaz contido, com um semblante carregado de desesperança, mas com uma alma resiliente e perseverante. Apenas em uma oportunidade seus olhos ficam marejados de lágrimas, a despeito de haver motivos mais do que suficientes para que isso acontecesse em outros momentos, o que vem a corroborar com o viés responsável no tocante às emoções que o filme implementa.

O filme não se importa com o Peru turístico, mesmo sendo rodado em uma cidade cultural, e mostra o Peru real – da desigualdade, da miséria, da falta de humanidade, do desprezo e da indiferença, sem se furtar de exibir algumas manifestações artísticas tradicionais. Nessa conjuntura, o filme busca impor empatia do público em relação a seu protagonista para que funcione, e é nessa característica que derrapa bastante. Elisban é muito ingênuo, deixa-se enganar, é explorado à vontade, aceita passivamente o que a vida lhe impõe, mas, mesmo com tudo isso, suas reações não são proporcionais às ações a que é submetido. Trata-se de uma personalidade um tanto quanto surreal e/ou inverossímil, principalmente por o personagem estar inserido em uma luta pela sobrevivência em uma cidade fria como os seus habitantes. Irritar-se com a personalidade de Elisban ou mesmo com o ritmo lento da obra – a despeito de estar totalmente dentro do contexto, pois o protagonista romanticamente só tem os dias e as noites como companheiros – não é algo a se desconsiderar.

Para os que conseguem adquirir empatia com o protagonista, trata-se de uma boa jornada cinematográfica. O drama social acaba funcionando – sem exageros -, pois o diretor basicamente se resume em mostrar o dia a dia de milhares de pessoas invisíveis em todo o país, que consiste numa espiral de constantes experiências ruins e uma rotina de sofrimento de violências psicológicas materializadas sob a forma do recebimento de negativas ou simplesmente da mais automática ignorância e/ou rejeição. Como heroi da história, Elisbán acaba sendo apenas mais uma pessoa que passa por momentos difíceis, mas também busca seguir em frente. Apenas um retrato fiel da realidade de boa parte do mundo, contado com simplicidade e parcos recursos.

Para finalizar, “Manco Cápac” não é um primor técnico, até mesmo por sua concepção minimalista, mas utiliza uma fotografia crua, sem se ater ao Peru dos cartões postais, o que se adequa muito bem à sua estética. Julgo que o filme se assemelha, com os devidos descontos, a muitas obras do cinema iraniano, principalmente aquelas do magnífico e saudoso Abbas Kiarostami e de seu discípulo, o laureado Jafar Panahi. No fim das contas, percebe-se que “Manco Cápac” se resume a exibir a eterna luta pela sobrevivência ou subsistência, que é uma fórmula recorrente utilizada pela sétima arte, entretanto, pelo desfecho otimista, acaba deixando uma mensagem de esperança para contrapor tudo o que foi desenvolvido ao longo do filme. Acaba-se saindo com um sabor doce na boca, após sentir o gosto do fel em 90% do tempo. A vida continua, e pode ser melhor, apesar de tudo. Nunca desista do seu sonho!

O trailer com legendas em inglês segue abaixo.

Adriano Zumba


TRAILER

2 comentários Adicione o seu

  1. Daniel disse:

    Gostei do texto e do seu site, que não conhecia. Tem uma coisa que poucos percebem no filme. O rapaz é tímido e retraído quando fala com os outros. Mas quando ele fala com a senhora, em língua Quechua (língua indígena), é quando ele se solta e conta sua real história. Jamais ganharia um Oscar por mostrar miséria (os ricos de Hollywood abominam isso). Mas é um filme obrigatório quando falamos de miséria na América Latina.

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