The tambour of retribution (2020)

Título original: Had Al Tar

País: Arábia Saudita

Duração: 1 h e 32 min

Gênero: Drama

Elenco principal: Adwa Fahad, Faisal Al Dokhei, Shabib Alkhaleefa

Diretor: Abdulaziz Alshlahei

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt13657102/


Citação: “Não seja ganancioso. Ou o amor ou o casamento.”


Opinião: “Simplesmente amor!”


Sinopse: Em um bairro pobre de Riad,  Dayel, o filho de um carrasco, apaixona-se por Shama, a filha de um cantora de casamentos. Esse improvável casal trará para a relação e para a vida temas considerados tabus na tradicional sociedade árabe, juntamente com uma série de dificuldades atreladas.


A Arábia Saudita, cuja capital é Riad, é um país situado no deserto, que abrange a maior parte da Península Arábica, que é o berço da religião Islâmica e tem muito pouca tradição no mundo cinematográfico, também indicou seu representante para concorrer ao Oscar de Melhor Filme Internacional em 2022. E se trata de um filme que merece muito ser apreciado e que se destaca ao abordar temáticas dramáticas e muito atuais para um país maculado pelo patriarcalismo e por costumes opressores, principalmente em relação às mulheres.

O protagonista, Dayel, é um jovem homem, órfão de pai, que é quase obrigado pelo tio a herdar o legado masculino da família: a profissão de carrasco, que, para nós ocidentais, demanda um pouco de pesquisa para compreender o contexto na qual ela está inserida. O carrasco é o responsável por executar as sentenças de morte após o julgamento dos acusados. Dayel, no entanto, tenta de todas as formas fugir desse destino. Ele tem boa índole, deseja ser comerciante, casar-se com Shama, a outra protagonista, e interromper essa herança de sangue. Dayel demonstra de fato que está disposto a aceitar Shama, a despeito da profissão da mãe; a realizar o sonho de sua amada e a romper, inclusive, sua única relação familiar (com seu tio).

Shama, por sua vez, tem família. Sua mãe é cantora de casamentos, que é uma profissão muito mal vista socialmente, embora seja sempre requisitada em festas de pessoas nobres, principalmente fora de Riad, onde uma melhor remuneração pode ser obtida pelas apresentações. Shama tem uma irmã e um tio, que, juntamente com sua mãe, são responsáveis pela banda. A família enfrenta problemas graves, não só financeiros, mas também morais, pois todo dinheiro advindo do trabalho artístico da matriarca é revertido para o pagamento do chamado “dinheiro de sangue”, que significa indenizar a família de uma vítima de que (eles) são os algozes. O algoz, no caso, é Surur, primo de Shama, para o qual ela está prometida em casamento desde tenra idade (o casamento consanguíneo ou a possibilidade dele acontecer, por sinal, aparece em mais de uma ocasião na obra). Surur está  preso e aguarda a sentença de morte ser anunciada. A menos que o dinheiro de sangue seja pago, ele morrerá pelas mãos de um carrasco. Notem que há um quê de previsibilidade no ar, mas surpresas devem ser aguardadas.

Shama é uma linda mulher, que, mesmo prometida em casamento para o primo, envolve-se afetivamente com Dayel, alimentando esperanças de um casamento. Shama é costureira e também tem o desejo de abrir um ateliê e viver do seu dom, também na mesma esperança de não herdar o fardo da atividade familiar. No entanto, não é apenas os dramas dos protagonistas Dayel e Shama que despertam a atenção para essa história. Os personagens que circundam os dois também são complexos em suas atitudes, em seus desafios pessoais e não facilitam em nada as escolhas que eles terão que fazer.

O primeiro ato do filme pode parecer enfadonho e/ou complexo/duvidoso, justamente por se preocupar em explicar esses fatos e todos os personagens vinculados a essas famílias – que são muitos, diga-se de passagem. Ainda nessa primeira parte, pode-se enxergar em Dayel o forte desejo de transformar a sua realidade – e ele se empenha fortemente para isso: busca apoio do tio, verbaliza suas intenções, tem a paciência como uma de suas principais virtudes, etc,. Shama, por outro lado, tenta escapar a qualquer custo da banda, dedica-se a costura, mas é constantemente compelida a também se responsabilizar pela soltura do primo.

No segundo ato, todos  são chamados às suas naturezas e às suas responsabilidades – sociais,  pessoais e morais -, independentemente do sentimento que terão que matar dentro de si (na filosofia, o termo matar significa dominar, ou seja, dominar tudo aquilo que possa nos prejudicar, em prol de conquistar virtudes e galgar outros degraus de refinamento moral). Ademais, é nesse bloco narrativo que os personagens terão que fazer as escolhas mais difíceis, que ditarão o rumo de suas vidas a partir delas e prepararão a obra para o desfecho, que não é trivial como se imagina.

The Tambour of retribuition” traz para discussão questões muito sensíveis, prioritariamente sobre o peso que recai sobre a personificação do feminino, o ser mulher em um país árabe, os costumes daquela sociedade, os papéis esperados dessas mulheres, no sentido de como devem se comportar e seguir fielmente o que foi determinado para elas pelas leis e tradições islâmicas. Por outro lado, as “escolhas”, das quais muitas vezes não se consegue escapar, mesmo que o estrago chegue a ferir a alma do decisor, por mais que se fuja delas, em determinado momento, colocam contra a parede. E, para muito além de questões espinhosas como as aqui retratadas, o filme não para por aí, fazendo com que o protagonista dê um salto de fé, chocando-se definitivamente com tudo que é esperado dele, em um ato de altruísmo e de resignação para a alicerçar a escolha do outro.Para encerrar, “The Tambour of retribuition” exige atenção ativa do espectador, sobretudo em seu desenvolvimento. Os atores em seus figurinos e em seus próprios aspectos físicos têm muita semelhança; o segundo ato tem um ritmo bem mais acelerado, as resoluções dos conflitos são exageradamente sutis e pinceladas com ares implícitos, o que pode ocasionar interpretações dúbias e duvidosas sobre o desfecho. Assim, é de bom tom ficar de olhos atentos às sutilezas de cada ação dessa narrativa e apreciá-la sem moderação, pois, realmente, é uma bela e assertiva indicação da Árábia ao Oscar.

O trailer com legendas em inglês segue abaixo.

Obs.: A lei atual não coaduna com o que foi exibido, pois, hoje, o dinheiro de sangue só pode ser pago em relação a homicídios sem a intenção de matar – diferentemente do filme –, contudo, como a narrativa se passa na última década do século XX, talvez a lei nessa época fosse diferente.

Fernanda Borges Freire


TRAILER

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