Era uma vez em… Hollywood (2019)

Título original: Once upon a time… in Hollywood

Países: Estados Unidos, Reino Unido, China

Duração: 2 h e 40 min

Gêneros: Comédia, drama

Elenco Principal: Leonardo diCaprio, Brad Pitt, Margot Robie

Diretor: Quentin Tarantino

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt7131622/


Opinião: “Tarantino brinca de fazer cinema e, ao mesmo tempo, testa a paciência de seu público.”


Tarantino é considerado uma estrela de Hollywood, pois sua filmografia permite que lhe seja dado este título, entretanto, “ser considerado” tem um significado e “se considerar” tem outro completamente diferente: denota soberba. E é justamente essa característica que pode ser observada no trabalho do famoso cineasta em sua nova obra, “Era uma vez… em Hollywood“. No filme em tela, Tarantino literalmente faz o que quer, mesmo sabendo que alguns dos caminhos escolhidos são no mínimo excêntricos. Ele usa e abusa dos mais variados recursos técnicos na construção de seu filme e demonstra seu estilo pitoresco de direção que o levou à fama, todavia, desenvolve um roteiro estranho, inclusive na estrutura narrativa, no qual toda a liberdade criativa que é posta à sua disposição se transforma em libertinagem pela ousadia. Apenas em poucas passagens se enxerga realmente o roteiro de um filme de Tarantino, e não é coincidência que tais passagens são as melhores da exibição. “Era uma vez… em Hollywood” é descompromissado com métricas razoáveis e com a história real utilizada como base. Consequentemente, é descompromissado também com seu público. Parece um experimento, mas, tecnicamente, é uma aula, contudo, o espectador não está numa escola de cinema e muitos nem sequer enxergarão a excelência aplicada. Se a história dramatizada não colabora, não há aspecto cinematográfico que salve o filme, pois o roteiro é o principal contribuidor para uma ótima experiência. Seguem abaixo as minhas impressões.

Eis a sinopse encontrada na internet: “O filme revisita a Los Angeles de 1969, onde tudo estava em transformação, através da história do astro de TV, Rick Dalton, e seu dublê de longa data, Cliff Booth, que traçam seus caminhos em meio à uma indústria que eles nem mesmo reconhecem mais.”

Temos uma estrutura narrativa comum com 3 atos: introdução, desenvolvimento e desfecho. Na verdade, a presença de um desfecho é até certo ponto discutível. Eis a primeira grande ousadia do visionário diretor: a fase da introdução, onde os personagens são apresentados, dura aproximadamente duas horas. Temos 3 protagonistas, o ator Rick Dalton, seu dublê, Cliff Booth, e a atriz Sharon Tate – aquela mesma que foi esposa de Polanski e morreu assassinada pelo grupo de Charles Mason, quando estava prestes a conceber o filho do casal. Nos eternos 120 minutos iniciais, Tarantino desenvolve 3 arcos narrativos independentes para os 3 personagens, os quais não estabelecem sequer um elo entre eles. Como histórias separadas, as caminhadas de Rick e Sharon são desinteressantes e pouco contribuem para o objetivo do filme, porém, a história de Cliff tem uma certa pertinência na consecução do objetivo global da narrativa. Percebe-se que dos 3 arcos narrativos, apenas um tem relevância, ou seja, há muito tempo “desperdiçado” em relação ao desenvolvimento da história. Após a fase inicial, só restam mais 40 minutos! No entanto, a famigerada introdução é utilizada para Tarantino desfilar o seu talento, considerando elementos e referências de produções cinematográficas pretéritas. Seu amor pelo cinema e pela música é imensurável, e isso é refletido sempre que possível em suas obras. O gênero conhecido como western spaghetti de meados do século passado é o principal o homenageado na obra, mas outras referências devem receber um merecido destaque: a cena da luta entre Bruce Lee e Cliff é simplesmente espetacular e há uma passagem de Rick na qual há cortes rápidos para acelerar a cena, que funcionam apenas para demarcar um estilo, algo muito visto na Nouvelle Vague francesa. Ademais, a trilha sonora do filme tem o selo de qualidade Quentin Tarantino, ou seja, é maravilhosa.

Dedico agora esse parágrafo da análise ao curta-metragem de 40 minutos presentes dentro da obra, que é o que realmente interessa, já que os primeiros 120 minutos foram utilizados apenas para uma “ostentação de uma mise en scène tarantinesca”. Nesse período de exibição, o cineasta assume seu modus operandi tradicional para o deleite de seus fãs e a “violência classe B” finalmente toma corpo. A principal referência desse contexto remete à primeira parte da exibição – e é espetacular ao extremo: a cena do lança-chamas, a qual não vou detalhar para não dar spoillers. Nesses 40 minutos, o espectador finalmente se sente confortável por se deliciar com o que realmente espera, todavia, para surpresa geral, eis a segunda grande ousadia do “mestre”: a manipulação da história real. Era uma vez a história do assassinato de Sharon Tate, que é muito sem graça e conhecida por todos. Agora, é a vez do grupo de Charles Manson entrar na casa errada, pois é mais interessante. Pelo menos, há uma tragédia a menos em Hollywood – e quem sabe encontremos a senhora Tate, já com uns 60 anos, andando pelas ruas de Los Angeles. O final é frustrante demais, mas uma coisa Tarantino conseguiu: que os espectadores fiquem assistindo até o final dos créditos – e se frustrem mais uma vez. Decepcionante.

“Era uma vez… em Hollywood” é uma grande homenagem ao cinema, que utiliza a metalinguagem, um pouco de história real e ficção à vontade para por seus personagens a vagar pelo reino encantado do cineasta. Talvez agrade a alguns gregos, mas nunca aos troianos. No entanto, porém, contudo, todavia, algumas risadas estão garantidas, o elenco estrelado sempre proporciona um espetáculo à parte, a direção de arte é uma das melhores de 2019 e o traseiro de Margot Robie é enfocado sempre que possível. Aproveitem tudo de bom que puderem extrair!

O trailer, com legendas em português, segue abaixo.

Adriano Zumba


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