Por uma vida melhor (2019)

Título original: Òlòturé

País: Nigéria

Duração: 1 h e 46 min

Gêneros: Crime, drama

Elenco Principal: Sharon Ooja, Kemi Lala Akindoju, Omoni Oboli

Diretor: Kenneth Gyang

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt9725830/


Citação: “Assim que eu quitar (a dívida), minha irmã e eu vamos para a Europa para dar uma vida melhor à nossa família.”


Opinião: “Motivação muito digna para uma história tão inverossímil”


Para quem não sabe, a indústria cinematográfica nigeriana, conhecida por Nollywood, é uma das maiores produtoras mundiais de filmes, entretanto, pelo visto, ainda falta muito para que a quantidade se transforme em qualidade. Afirmo isto pois há vários aspectos que merecem críticas em “Òlòturé“, a despeito de abordar temáticas pertinentes e representar uma das funções mais importantes do cinema: a função social através da denúncia. O filme se encontra atualmente disponível na Netflix e, com isso, está obtendo bastante visibilidade, entretanto, num espectro de excelência em relação a seus aspectos constituidores, localiza-se diametralmente oposto a outros filmes com a mesma temática. Um deles, inclusive, está também disponível na mesma plataforma de streaming: “Joy” (2018), que foi o representante da Áustria no Oscar de melhor filme estrangeiro em 2019 e cuja crítica pode ser acessada clicando-se aqui. “Òlòturé” não deixa de proporcionar uma audiência válida, principalmente pela possibilidade de conhecer o cinema nigeriano e conhecer mais de perto uma realidade tão perversa que as mulheres africanas vivenciam há tempos: o tráfico de humanos com a finalidade da prostituição, todavia, como obra cinematográfica, deixa muito a desejar. Despojar-se de grandes expectativas é uma boa estrategia para um melhor aproveitamento do filme. 

Eis a sinopse: “Oloture é uma jornalista que se passa por prostituta no intuito de escrever uma matéria denunciadora e realista, e, para isso, ela literalmente adentra no perigoso submundo do tráfico internacional de mulheres africanas para Europa, o que pode trazer consequências trágicas para ela.”

Trata-se de um filme visivelmente de baixo orçamento, mas, vamos convir que para produzir um filme sobre miséria e prostituição realmente não é necessário orçamentos astronômicos, pois as locações são humildes, o figurino é cotidiano e muitas cenas externas são utilizadas. O principal problema de “Òlòturé” é realmente o amadorismo na implementação dos vários aspectos que constituem uma produção para o cinema. Começando pelo roteiro, nota-se que a história é muito inverossímil, como já explicitado na opinião no início deste post. Todos sabem que o tráfico de humanos é uma “indústria” criminosa que movimenta muito dinheiro e quanto mais rico é o negócio ilegal, mais perigoso se torna para qualquer pessoa que queira de alguma forma prejudicar o bom andamento da “máquina”. A personagem Oloture, por mais destemida que aparente ser, percorre um caminho improvável, que põe em risco sua integridade e dignidade, e, porque não, sua própria existência. Ou os riscos não são calculados pela personagem ou são negligenciados em nome de uma ascensão profissional a qualquer custo, o que afasta a condução do filme de uma realidade pelo menos plausível. O principal fio condutor da história é inacreditável. O que dizer do restante então? Posso afirmar que a construção do contexto geral e as subtramas inseridas no filme estão bem mais próximas da realidade. A dramatização da vidas das mulheres nas ruas da Nigéria, suas relações com cafetões e cafetinas (os “atravessadores” ou aproveitadores), a esperança de uma vida melhor para suas famílias como força-motriz, a implementação da atividade de tráfico propriamente dita, etc., são pontos de interesse que acabam sendo melhor implementados, mas a atuação do elenco em geral retira a possibilidade de um maior envolvimento emocional por parte do espectador. Também, cabe destacar uma cena que mostra um tipo de ritual que um homem faz com as mulheres antes da partida para a Europa. É uma cena muito simbólica, pois faz alusão à morte e traz realmente muita perturbação para o público. Representa o melhor que se pode extrair do filme, juntamente com a crueza e dureza apresentadas em algumas passagens. 

O artificialismo concede o tom em uma avaliação do elenco. É nesse ponto que o amadorismo fica mais evidente, principalmente em relação à protagonista, que se destaca apenas por sua beleza e imponência física – e nada mais. Não há um único artista que se destaque. Ademais, há espaço até para algumas músicas alegres na trilha sonora, o que definitivamente não coaduna nem um pouco com a temática que é desenvolvida. A decepção alcança até mesmo o idioma que é falado no filme. O inglês não é a língua falada no país. A tentativa de internacionalização do filme pode até ter sido bem sucedida, principalmente por estar na Netflix, mas o terrível inglês que é falado incomoda sobremaneira aos ouvidos. Não consigo ver prejuízos em utilizar o idioma local em uma produção cinematográfica, mas…

O que depreendi após a exibição é que o filme possui muito boas intenções, mas é muito pobre – cinematograficamente falando. Sem sombra de dúvidas, a produção de um documentário teria sido uma melhor opção, pois uma gama maior de aspectos narrativos poderiam ter sido trabalhados e o amadorismo das atuações teria sido evitado. Melhor assistir a “Joy“, que citei mais acima, entretanto, como o filme está dividindo opiniões ao redor do mundo, pois a prostituição é realmente encarada como uma profissão por muitas pessoas e o filme demoniza a atividade e apresenta algumas anomalias associadas a ela, recomendo que cada um assista a ele e tire suas próprias conclusões. As minhas não foram boas. Minha primeira experiência com o cinema nigeriano foi frustrante.

O trailer segue abaixo.

Adriano Zumba


2 comentários Adicione o seu

  1. Antonio Manuel Lopes Amaral disse:

    Bom dia, amigo. Seu texto, AS USUALLY, foi primoroso. ALORS, gostaria de solicitar resenhas sobre filmes dos mitos Clint Eastwood e Gene Hackman, principalmente dos anos 70/80/90, ok? Muito obrigado pela atenção e um forte abraço.

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    1. Blz Antônio. Obrigado pela preferência.

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