Belle (2021)

Título original: Ryû to sobakasu no hime

Título em inglês: Belle – The Dragon and the Freckled Princess

Países: Japão, França

Duração: 2 h e 01 min

Gêneros: Animação, aventura, drama, fantasia, ficção científica, música

Elenco principal: Kaho Nakamura, Takeru Satoh, Ryô Narita

Diretor: Mamoru Hosoda

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt13651628/


Citações:

  • “Pra sua sorte, você é como o lado escuro da lua, que é ignorado.”
  • “Você se tornou a garota gentil que você é, porque foi sua mãe que te criou.”
  • “Você libertou meu coração do medo.”

Opinião:Somewhere over the raimbow” – título da música tema de “O Mágico de Oz” (1939).


Sinopse: Suzu é uma estudante de ensino médio de 17 anos que mora em uma aldeia rural com o pai. Por anos, ela foi apenas uma sombra de si mesma. Um dia, ela entra em U, um mundo virtual de 5 bilhões de membros na internet. Lá, ela não é mais Suzu, mas Belle, uma cantora mundialmente famosa. Ela logo se encontra com uma criatura misteriosa. Juntos, eles embarcam em uma jornada de aventuras, desafios e amor, em busca de se tornarem quem realmente são.


Quando a gente pensa que não há mais espaço no cinema para adaptar “La Belle et la Bête” de Jeanne-Marie Leprince de Beaumont, conhecido no Brasil como “A Bela e a Fera“, vem um certo japonês, Mamoru Hosoda, “fera” do anime e detentor de alguns sucessos em sua filmografia, e presenteia o mundo com “Belle: O dragão e a princesa sardenta“, que é a tradução do título utilizado nos Estados Unidos. Trata-se de um filme moderno e “tecnológico”, que faz alusão a diversas temáticas atuais, promovendo reflexões, e, ao mesmo tempo, utiliza, adaptando-o, todo o contexto emocional da história de 1756, ou seja, é um filme que une o novo e o antigo num brilhante trabalho de construção narrativa, desenvolvido para aproveitar o melhor de ambas as conjunturas.

Num momento em que Mark Zuckerberg, proprietário do Facebook, uma das maiores e mais conhecidas empresas de tecnologia do mundo, resolve apostar e investir no chamado metaverso, que é um ambiente onde as pessoas poderão ter uma segunda vida – ou uma vida virtual -, que é diferente de suas existências reais, nada mais pertinente do que a arte começar a discorrer sobre as temáticas inerentes a essa proposta, se bem que o cinema em algumas oportunidades já abordou algo análogo, vide “Jogador nº 1” (2018) de Steven Spielberg, apenas para citar um filme famoso de um diretor famoso.

Automaticamente, quando se pensa em realidade virtual, a primeira coisa que vem à mente é o grau de intersecção entre vida real e vida virtual, e até que ponto a vida virtual pode influir, positivamente ou negativamente, em várias searas na vida real das pessoas. Em uma entrevista, o diretor de “Belle“, Mamoru Hosoda, disse o seguinte: “As relações humanas podem ser complexas e extremamente dolorosas para os jovens. Quero mostrar que este mundo virtual, que pode ser difícil e horrível, também pode ser positivo. Os jovens nunca poderão se separar dele. Eles cresceram com ele. Temos que aceitar e aprender a usá-lo melhor.” Palavras bem reflexivas!

O filme já se inicia apresentando U, um mundo virtual em 3D “vendido” como “a maior sociedade da internet da história”, como sendo “outra realidade”, onde é possível “recomeçar” e cujo avatar criado para cada usuário utiliza a nova tecnologia de “compartilhamento corporal” baseado em informações biométricas. Percebam a “invasão” no que há mais fisicamente íntimo no ser humano e a magnitude da vantagem oferecida para angariar usuários – U mexe com o corpo e com a alma. Identifica-se automaticamente o viés de “refúgio” que a comunidade exala. Em U, que imagino ser um mnemônico para You, as pessoas podem viver existências diferentes, realidades mais salutares e “fugir” de suas vidas reais.

Após isso, conhecemos Suzu, uma garota introvertida, pouco popular na escola e que carrega consigo uma tragédia familiar referente à sua mãe. Um “espécime” perfeito a ser atraído para dentro de U. Como a jovem gostava de cantar antes da tragédia, U cria o avatar dela, Belle, como sendo uma cantora famosa no ambiente virtual e fisicamente parecida com a garota mais popular da escola. Parece que U também lê pensamentos – nada muito diferente dos algoritmos de inteligencia artificial que escaneiam todos os passos de uma determinada pessoa na internet para traçar o perfis de consumo, entre outras deduções “invasivas”. Suzu na vida real é problemática e na vida virtual é famosa e adorada. Eis o contexto perfeito criado para as reflexões propostas pelo filme.

Mesmo possuíndo um cenário perfeito para ser desenvolvido, o filme resolve incrementar a experiência do usuário através da adaptação de uma das histórias literárias mais famosas da história da humanidade, que já foi citada mais acima. Uma criatura feia, repulsiva e marginalizada em U é inserida na história: the Beast, que pode ser traduzida de diversas formas, mas, como fiz a legenda em português do filme, acabei traduzindo como Bestial, para manter o gênero do personagem como masculino, pois todas as alusões a ele no filme são nesse gênero. O restante da história todos já sabem, mas o importante de tudo isso é a introdução no contexto das relações humanas, assim como citou o diretor, e essa temática é trabalhada através de várias nuances – e não só pela dupla Suzu (Belle)/Bestial -, que são consideradas num contexto onde tudo se vê a partir da internet, onde a privacidade quase que inexiste, e onde há a presença de pessoas que apóiam e de outras que disseminam ódio, os chamados haters. É interessante notar que em um determinado momento, um personagem pergunta: “Por que não há polícia na Internet?” Muito pertinente, afinal a internet é tida por muitos como uma “terra sem lei” e o mundo real está aí desnudado na mídia todos os dias para corroborar com essa afirmação.

Ademais, cabe destacar o visual da obra que é belíssimo e destoa um pouco do padrão exibido nos animes japoneses por mesclar o 2D tradicional e o 3D de U. O resultado ficou muito interessante. As 3 músicas exibidas são literalmente um show à parte. Muito melódicas e muito coerentes com a aura que se constrói no filme.

Ao fim, entendi perfeitamente a proposta do diretor com sua obra. É como se ele preparasse as pessoas para adentrar num mundo virtual como U, pois, coincidência ou não, o Meta de Zuckerberg está batendo às portas, entretanto, pelo menos em mim, ficaram muitos alertas e a identificação de poucos pontos positivos numa conjuntura como essa, pois uma vida dupla, mesmo que uma delas seja virtual e tenha um caráter de divertimento, pode adentrar em várias searas da vida real de cada um, principalmente a emocional, pela possibilidade de se apaixonar, por exemplo, como no filme, entre outras possíveis anomalias facilmente identificadas; e financeira, pois, como se observa, já se vende, a preços muitíssimo salgados, casas, terrenos, e itens de toda natureza no Meta. Viciar-se numa plataforma virtual como essa pode atingir fortemente as finanças reais de cada um.

Resumidamente, como filme, “Belle” é magnífico, pois é narrativamente relevante e excelente em seus aspectos técnicos constituintes. Definitivamente, uma história como essa não pode mais ser considerada como uma ficção científica. Não foi à toa que recebeu 14 minutos de palmas em Cannes 2021 – a sétima maior ovação da história do Festival. Não é pouca coisa.

O trailer segue abaixo.

Adriano Zumba


TRAILER

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