Marlina, a assassina em quatro atos (2017)

Título original: Marlina si Pembunuh dalam Empat Babak

Título em inglês: Marlina the murderer in four acts

Países: Indonésia, França, Malásia, Tailândia

Duração: 1 h e 33 min

Gêneros: Drama, faroeste, thriller

Elenco Principal:  Marsha Timothy, Dea Panendra, Egy Fedly,

Diretora: Mouly Surya

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt5923026/


Opinião: “Um pitoresco faroeste feminino – ou feminista – de arte.”


Um filme estranho, mas apreciável! Assim posso definir o filme em tela. Há uma série de características que o definem e que desafiam a percepção do espectador. O filme se movimenta no ritmo que melhor lhe convém o qual, ao passo que incomoda, concede uma lenta perpetuação à agonia da protagonista – e isso é bastante desejável no contexto proposto pelo roteiro. Há situações um tanto quanto bizarras, mas explicáveis pelas tradições indonésias. Ademais, os diálogos são escassos e majoritariamente curtos. Em resumo, trata-se de uma obra difícil de digerir, principalmente para as plateias ocidentais, que não costumam interagir com frequência com certos tipos de cenas, entretanto, a maneira como foi construída – em capítulos -, os assuntos abordados e os vieses tenso e sobrenatural que se observam proporcionam uma boa experiência cinematográfica. É a oportunidade de assistir à dramatização de uma situação trágica, aos moldes da cultura de um país tão longínquo e tão escondido da grande mídia, e, por conseguinte, do mundo, como é a Indonésia.

A sinopse, retirada da internet e com adaptações, é a seguinte: “Marlina vive na ilha de Sumba, Indonésia. Um dia, um homem chamado Markus e sua gangue tentam roubar a casa de Marlina e acabam por estuprá-la. Por conta disso, ela consegue matar todos, no entanto, passa a ser assombrada pelo espírito de Markus e sua vida vira de cabeça para baixo.”

O primeiro ponto de interesse é a misoginia. Marlina, recém viúva e aos olhos da múmia de seu marido, que habita calmamente em sua sala de estar, de repente recebe um visitante inesperado em sua casa: um homem avisando sem pudor algum que vai levar os seus bens e seus animais, e que, dentro de algumas horas, chegarão alguns amigos dele, os quais, eventualmente, poderão querer estuprá-la. Ainda manda a mulher preparar o jantar para todos. Tudo isto denota uma certa condição de inferioridade da mulher indonésia – pelo menos daquela etnia – em relação ao sexo masculino, pois ela não possui mais um homem que a proteja. Nesse contexto, posso usar um termo muito em moda para definir o viés narrativo: o empoderamento feminino, através da luta de Marlina para evitar que mais uma tragédia paire sobre sua vida, pois, além de ter perdido o marido, perdeu seu filho, Topan, no oitavo mês de gestação. Nesse contexto misogínico, a sugerida afirmação feminina é corroborada em diversas outras passagens ao longo do filme, principalmente pelo aparecimento da personagem Novi, que também possui a sua “luta” particular. Os destinos dessas duas mulheres fortes acabam se cruzando para potencializar a tensão ao longo do filme, e isso rende uma boa jornada cinematográfica, a depeito de algumas cenas e coincidências um pouco forçadas.

Como o próprio título já informa, o filme é subdividido em 4 atos, com o objetivo de atribuir e reforçar a denominação concedida à personagem Marlina: assassina. Eis os 4 atos: o assalto, a jornada, a confissão, o nascimento. O primeiro ato, o assalto, é de longe o mais interessante, pois é nele que o fio condutor da história é acendido e começamos a entrar em contato com o ambiente estranho no qual os personagens estão inseridos. É nele que percebemos a inclusão dos mortos no cotidiano dos vivos daquela sociedade. Trata-se de um microcosmo extremamente pitoresco. É nele que os fatos geradores da maioria dos focos de tensão da trama são iniciados. O segundo e terceiro atos fazem com que a narrativa perca um pouco do fôlego. Até mesmo o desfecho, ou seja, o último ato, poderia pelo menos ter mantido a temperatura do primeiro, mas não consegue, apesar de até repetir algumas ações. De qualquer forma, o filme não chega a ter um final desprezível, pois é facilmente percebido que está totalmente dentro do contexto proposto, assim como todos os demais atos. Não há desvios desnecessários dentro da lógica construída.

A obra tem cara de western, com belos planos abertos, fotografia excepcional, cinematografia competente e uma trilha sonora bastante admirável, que muito faz lembrar os famosos faroestes spaghetti, e, para incrementar a experiência, possui um quê deveras sobrenatural para perturbar as mentes dos desavisados – e até algumas decapitações essenciais para apimentar a história (se Jason tivesse o mesmo facão amolado de Marlina, a série de filmes “Sexta-feira 13” já estaria no episódio 100). Esse é “Marlina, a assassina em quatro atos“, o representante da Indonésia na corrida pela Oscar de melhor filme estrangeiro em 2019 e um dos filmes exibidos no Festival de Cannes em 2017. Trata-se de um filme no mínimo diferente, que provavelmente agradará aos amantes de um cinema técnico, artístico e de qualidade superior, mas, para o espectador médio, a chance de haver frustração é grande.

O trailer, com legendas em inglês, segue abaixo.

Adriano Zumba

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