Andando (2008)

Título original: Aruitemo aruitemo

Título em inglês: Still walking

País: Japão

Duração: 1 h e 57 min

Gênero: Drama

Elenco Principal: Hiroshi Abe, Yui Natsukawa, You

Diretor: Hirokazu Koreeda

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt1087578/


Opinião: “A imprevisibilidade da vida moldando o futuro de uma família.”


Frase 1: “Mulheres divorciadas são melhores do que as viúvas, pois, pelo menos, elas quiseram se separar.”

Frase 2: “Dizem que estas borboletas são as brancas que sobreviveram ao inverno e voltam amarelas no ano seguinte.”


A cada filme de Koreeda a que assisto, reafirmo a certeza de que temos um novo Ozu entre nós, o qual foi o cineasta – também japonês – que retratou com maestria – e como ninguém – em suas obras nuances da reunião de pessoas que denominamos família. Não é à toa que Koreeda é considerado atualmente como “o cronista da família”. Em “Andando“,  sua fonte de sensibilidade jorra abundantemente para mostrar apenas mais uma história cotidiana ligada a uma tradicional família japonesa, na qual os detalhes e a exteriorização da alma dos personagens fazem toda a diferença, ou seja, trata-se de mais um típico filme desse novo mestre japonês do cinema mundial – diretor de obras-primas como “Ninguém pode saber” (2004), “Pais e filhos” (2013) e “Assunto de família” (2018), cujas críticas podem ser acessadas clicando-se nos títulos em azul.

Eis a sinopse: “Todos os anos, a família Yokoyama se reúne no aniversário da morte de Junpei, o filho mais velho, que faleceu há 15 anos tentando salvar um menino do afogamento. Seus irmãos, hoje dois adultos de meia-idade, sabem que nunca serão tão estimados pelos pais quanto o primogênito. Kyohei, o patriarca, se esconde em seu antigo consultório médico para fugir da agitação dos netos, enquanto Toshiko, a avó, comanda a cozinha tentando não transparecer as frustrações de seu casamento, mas, no final das contas, os conflitos convivem lado a lado com momentos de intenso afeto.”

No filme em tela, temos um Koreeda mais impetuoso e mais ousado em relação a seus filmes mais destacados e famosos – já citados mais acima -, por um simples motivo: não há clímax na história, porque ele já aconteceu em um momento pretérito. Neste contexto, o diretor requer de seu público a mesma impetuosidade para a obtenção de uma boa experiência cinematográfica, ou seja, a atenção deve ser redobrada – e a paciência também. Há um presumido “vazio ou vácuo” narrativo, no qual, à primeira vista e como consequência lógica de seu significado, carece de um sentido a ser seguido, pois a história guia o espectador para uma viagem ao íntimo de uma série de personagens que, direta ou indiretamente, foram atingidos pela tragédia: a morte de Junpei. Entretanto, ao fim da exibição, o conjunto de pormenores inseridos pelo diretor em sua narrativa clarifica perfeitamente a sua mensagem. O que parecia nada, na verdade, estava apenas oculto através da delicadeza e sagacidade do excelente trabalho do cineasta.

Temos muitos personagens e se deve conseguir organizá-los em seus núcleos familiares originais e presentes para um bom entendimento do roteiro. Resumidamente, Kyohei é o patriarca e Toshiko é a matriarca, os quais geraram 3 filhos: Junpei – já falecido -; Ryota, que se casou com uma mulher viúva e assumiu seu filho; e Chinami, a única filha do casal, a qual é também casada. Nota-se que há 3 famílias: a família original, com feridas profundas pela morte do primogênito – principalmente os pais – e outras duas famílias derivadas dos casamentos dos filhos, que, logicamente, possuem seus próprios problemas – alheios à tragédia da família Yokoyama. Através dessas organizações que se reúnem todos os anos para honrar a memória de Junpei, a narrativa se desenvolve desnudando os conflitos, os anseios, as frustrações, as amarguras, as dúvidas, as mágoas e os sentimentos de cada personagem de forma individual e, também, a interação entre as famílias. Tudo se resume ao convívio dessas pessoas durante um dia, tendo como pano de fundo a temática da morte – ou do luto -, que influencia o comportamento  dos personagens nos mais diferentes graus. Nesta diversidade de sentimentos, “Andando” constrói o seu alicerce e edifica uma narrativa muito singela, regada a uma competente trilha sonora – que transmite muita paz – e belas fotografias das tranquilas paisagens japonesas. O bom é que, entre conflitos e queixumes intrínsecos de qualquer família, o amor e o afeto sempre se sobressaem, afinal a harmonia se encaixa perfeitamente na proposta do diretor e combina com a cultura oriental evidenciada o tempo todo na obra.

Nota-se o esforço que o roteiro emprega para atar todos os nós e sintonizar as famílias na mesma frequência, no entanto, ao fim, ainda ficam culpas, desejos e promessas não cumpridas, o que, diga-se de passagem, não prejudica a jornada, pois esses detalhes têm uma inteligente função reflexiva, que justifica ainda mais a experiência para o espectador. Não há como negar que os filmes de Koreeda possuem um grau de dificuldade superior, pois requerem muita interpretação de seu público, no entanto é uma satisfação assistir a eles, pois a sensibilidade aplicada nos mínimos detalhes e o estilo de seu trabalho justificam cada minuto de exibição e deixam uma vontade recorrente de consumir mais e mais obras similares. Filmes de Koreeda transpiram arte. São complexos, mas, para bons entendedores, meia imagem basta.

O trailer, com legendas em inglês, segue abaixo.

Adriano Zumba


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