Nostalgia da luz (2010)

Título original: Nostalgia de la luz

Título em inglês: Nostalgia for the light

Países: França, Alemanha, Chile, Espanha

Duração: 1 h e 30 min

Gênero: Documentário

Diretor: Patricio Guzmán

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt1556190/


Opinião: “Tragédia poética em meio ao caos e a beleza do infinito”.


Citação: “Somos todos parte de uma corrente de energia, ou de uma matéria que se recicla. Como ocorre com as estrelas. As estrelas devem morrer para que surjam outras estrelas, para que surjam outros planetas, para que surja a vida. Nesse contexto, acredito que o que aconteceu com os meus pais e a sua ausência ganha outra dimensão, ganha outro sentido e me liberta um pouco dessa perda, desse grande sofrimento de sentir que as coisas se acabam para sempre.”


Para melhor entendimento e para introduzir a minha linha de raciocínio nesta crítica, seguem algumas informações científicas e/ou curiosidades obtidas a partir do próprio documentário em tela:

  • A luz do sol demora cerca de 8 minutos para chegar à Terra, ou seja, a luz que experimentamos em um determinado momento foi emitida pelo astro-rei há 8 minutos, isto é, trata-se de uma luz pretérita ou passada.
  • Visto do espaço, o único ponto de cor marrom sem o mínimo grau de umidade que existe no globo terrestre é o Deserto do Atacama, no Chile, que possui o céu mais límpido e perfeito do mundo para a observação de corpos celestes. Por esse motivo, estão instalados lá alguns centros de observação dotados de telescópios potentíssimos, que são manipulados por astrônomos e astrofísicos de todo o mundo.
  • O mesmo cálcio que é encontrado nas estrelas é encontrado em ossos humanos.
  • A ciência acredita que no céu, no solo e no mar podem ser encontrados vestígios da origem da humanidade.
  • No Deserto do Atacama, arqueólogos realizam diversas escavações em busca de civilizações antigas.

Uma última informação não científica, mas histórica, é que em 11 de setembro de 1973, o Chile sofreu um golpe de Estado que resultou na morte do presidente comunista Salvador Allende, um homem idolatrado pela maioria da população chilena, e na instauração de uma ditadura que duraria 17 anos, capitaneada pelo General Augusto Pinochet, que foi responsável por uma série de assassinatos, desaparecimentos e exílios.

Individualmente, cada informação apresentada acima possui seu sentido particular, porém, se todas forem consideradas como um conjunto, é difícil estabelecer uma relação entre elas. Para que possam ser analisadas dentro de um mesmo contexto, e, por conseguinte, o documentário em tela possa oferecer lógica e concisão a seus espectadores, há de se revelar o objetivo das “Mulheres de Calama”, assim chamadas em referência à cidade chilena que “abre as portas” do Deserto do Atacama para os visitantes. Tais mulheres procuram, há mais de 20 anos, os restos mortais de seus entes queridos, os quais foram assassinados pelo regime militar e jogados em algum lugar na imensidão da erma “mancha marrom” do globo terrestre – como citado mais acima -, ou seja, são mulheres que, assim como os arqueólogos, os astrônomos e os astrofísicos, buscam o passado num espaço amostral “infinito”. A grande diferença entre o desafio delas e o desses estudiosos está nos recursos empregados nessa missão: enquanto eles utilizam tecnologia de ponta para vasculhar o Cosmos, elas utilizam apenas uma pequena pá para vasculhar o Deserto. Trata-se de um elo bastante pertinente e motivado pela dor, pela saudade e pela busca de dignidade, com uma significância monstro dentro da obra e na conjuntura real apresentada. Aplausos para Guzmán pela ideia.

Como se nota, “Nostalgia da luz” é um filme de analogias, no entanto, as comparações propostas não são realizadas a esmo ou simplesmente de maneira formal, como numa aula de ciências da natureza. O grande diferencial da narrativa em tela é a linguagem empregada para contar a sua história, que utiliza um sentido deveras poético, dotado de grande lirismo, mesmo num contexto que faz referência a acontecimentos tão hediondos. Ademais, é de se esperar que a fotografia seja magnífica, pela exibição de paisagens do deserto e imagens do espaço sideral. A composição desses dois meios, céu e terra, entre entrevistas e narrações, é feita de maneira harmônica e sempre buscando alguma forma de combinação entre elas. O equilíbrio é o ponto forte dessa abordagem e proporciona uma experiência gratificante ao espectador – como na maioria dos filmes de Guzmán que retratam o golpe militar do Chile, que é a temática mais recorrente em sua filmografia.

Há algumas passagens um pouco arrastadas, principalmente algumas entrevistas, e alguns “ocos narrativos” bem demorados, sem qualquer narração e abusando de planos longos e closes, que podemos até chamar de contemplação. A despeito de promover belas imagens na maioria das vezes, essas peculiaridades acabam deixando o documentário enfadonho em algumas passagens, todavia, mostrar detalhes e panoramas sem a interferência da voz, apenas da nostálgica – e pretérita – luz do sol ou das estrelas, cria um perfeito ambiente para a assimilação total da proposta do documentário quanto às temáticas abordadas, as quais, diga-se de passagem, geram um turbilhão de sentimentos. Indubitavelmente, “Nostalgia da luz” representa uma ótima oportunidade de conhecer, literalmente, em forma de pura arte, uma consequência quase inacreditável e dolorosa do golpe de Estado e da ditadura chilena. Ao fim, temos a certeza de que a memória e o passado, mesmo trágicos e sombrios, nunca são esquecidos por quem ama e devem ser preservados a todo custo em nome da história, da paz interior e da justiça, mesmo que apenas em imagens gravadas em azulejos e carcomidas pelo tempo, afinal, corpos humanos, de qualquer forma, algum dia, poeticamente se tornarão corpos celestes, e o ciclo da existência prosseguirá indefinidamente. A governabilidade sobre a vida de cada um é pessoal e intransferível, apesar de o ser humano insistir em quebrar essa regra pelos mais variados e escusos motivos.

Para encerrar, após assistir à “Nostalgia da luz” e observar todo o contexto que foi proposto, veio à mente algumas palavras do célebre escritor brasileiro Olavo Bilac em sua obra poética “Via Láctea”, cuja parte VXIII está transcrita abaixo. Julguem a pertinência de tais palavras!


“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo 
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto, 
Que, para ouvi-las, muita vez desperto 
E abro as janelas, pálido de espanto…

E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi: “Amai para entendê-las! 
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas”.


O trailer, com legendas em português, segue abaixo.

Adriano Zumba


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