37 segundos (2019)

Título original: 37 sekanzu

Título em inglês: 37 seconds

País: Japão

Duração: 1 h e 55 min

Gênero: Drama

Elenco Principal: Mei Kayama, Minori Hagiwara, Makiko Watanabe

Diretora: Hikari

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt6156138/


Citação: “Às vezes eu acho que sou uma das experiências deles (dos alienígenas). Como um trabalho de ciências.”


Opinião: “Um olhar humanista e honesto sobre a deficiência”.


37 segundos: se descontextualizado, esse pequeno intervalo de tempo se torna irrisório, desprezível. É apenas 61,6666…% de um minuto! Talvez, até a dízima periódica que se forma ao querermos representar o intervalo de tempo em minutos seja mais interessante de ser explorada. No entanto, 37 segundos podem, por exemplo, ser a diferença entre a vida e a morte, entre a liberdade e a prisão, entre a alegria e a tristeza; ou seja, o contexto determina a importância de qualquer grandeza quantitativa. O filme em tela se propõe a dar significado a esses ínfimos segundos através de uma história deveras dramática, mas revestida completamente pelo manto da humanidade, no intuito de quebrar paradigmas, repelir preconceitos e conceder ares de normalidade às situações propostas em nome da igualdade. Uma palavra descreve a narrativa: respeito – uma das características mais marcantes dos povos orientais, que acaba sendo refletida fortemente em suas produções cinematográficas, como nos filmes de Hirokazu Koreeda, por exemplo, apenas para citar um diretor contemporâneo. A cineasta Hikari também bebeu dessa fonte e, em seu primeiro longa-metragem,  presenteia seu público com uma obra honesta, humana, singela, sensível e especialíssima.

Eis a sinopse: “Yuma Takada é uma jovem desenhista japonesa de mangás que possui o sonho de ser consagrada e reconhecida por seu trabalho, mas vê em sua paralisia cerebral um obstáculo extremamente difícil de ultrapassar. Presa em um mundo de obrigações sociais e familiares, ela embarca em uma inusitada jornada em busca de sua “liberdade”, tanto sexual, quanto pessoal.”

Em uma entrevista, a diretora fez questão de revelar que sua narrativa é uma afronta à sociedade japonesa – e, porque não, mundial -, que não tem coragem de abordar as temáticas relacionadas às pessoas deficientes com o devido cuidado – ou com a devida dignidade. Comumente, associa-se deficiência à dependência. Comumente, considera-se pessoas com deficiência como “alienígenas” ou obras deles – isto é explicitamente exposto no filme através de um “pensamento alto” de Yuma em um momento de embriaguez (mostrado na citação mais acima). Comumente, esquece-se que pessoas deficientes possuem sexualidade, que normalmente é tolhida ou reprimida por uma série de fatores. Resumidamente, para muitos, ser deficiente é adentrar apenas numa seara de sobrevivência à luz de suas dificuldades. Eis a ousada diretora Hikari, e a corajosa atriz Mei Kayama (em seu primeiro filme) para jogar por terra cada um dos pré-julgamentos e concepções errôneas sobre o assunto. Propositalmente, coloquei em negrito as palavras que julgo serem representativas em relação ao filme, mas quero destacar principalmente a coragem de jovem atriz deficiente, pois há, inclusive, cenas de nudez, que, diga-se de passagem, são exibidas logo no início, como um cartão de visitas, sem um desenvolvimento apelativo, dentro do contexto proposto, e com todo o respeito ora citado.

O roteiro possui mais pontos positivos do que negativos. A abordagem humana talvez seja sua maior virtude, pois aproxima bastante a narrativa da realidade, principalmente na relação de Yuma com sua mãe, que apresenta uma superproteção bastante esperada para a conjuntura. Todavia, nota-se que o foco recai sobre a relação íntima e particular de Yuma com seu interior, com seus “demônios”, com seus anseios. A narrativa leva, por meios tortuosos, a uma jornada de auto-conhecimento necessária através do contexto que é delineado. O enredo também não se furta de explorar a história familiar de Yuma, proporcionando emoções e revelações surpreendentes em forma de um plot twist muito bem inserido. Mas, por conta da dissecação desse prisma familiar, a narrativa comete um grande deslize: só explica uma parte da origem de Yuma, inclusive o que são os tais 37 segundos. Ao fim da exibição, resta uma grande “ponta solta” em relação a seus pais, que, no meu entender, compromete a inteligibilidade total do roteiro, mas não a experiência do espectador. O filme continua sendo bastante apreciável pela maneira honrosa e delicada como desenvolve suas temáticas.

Através de minhas jornadas cinematográficas no cinema humanista de Koreeda, observo muitas nuances familiares que me levam à fácil reflexão sobre diversos assuntos. Quem sabe, através a filmografia futura de Hikari, haja também um caminho propício e pavimentado para levar a mim e a todos os seus espectadores a pensar nos mais diversos aspectos sociais e humanos que norteiam nossa existência. Seu primeiro filme foi especial e cumpriu muito bem a sua função. Que seu talento continue em ebulição para o deleite dos amantes da sétima arte.

O trailer, com legendas em português, segue abaixo.

Obs.: Filme disponível na Netflix.

O trailer segue abaixo.

Adriano Zumba


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