Politécnica (2009)

Título original: Polytechnique

País: Canadá

Duração: 1 h e 17 min

Gêneros: Crime, drama, história

Elenco Principal: Maxim Gaudette, Sébastien Huberdeau, Karine Vanasse

Diretor: Dennis Villeneuve

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt1194238/


Opinião: “Imersivo e bem realizado. A gênese de um grande diretor.”


Não há matéria-prima mais diversificada e abundante para o desenvolvimento de roteiros do que a própria vida, pois há incontáveis fatos históricos, conhecidos ou não, que valem a pena ser abordados pelos mais diversos motivos. A vida de cada um é uma história! Nesse sentido, julgo que o cinema, entre várias outras finalidades, através de determinadas histórias, deve retirar o espectador de sua zona de conforto, deve incomodar para instigar lentas “digestões” e profundas reflexões em buscas de causas, motivos ou explicações para atos do ser humano, que é tão falível e tão imperfeito em sua essência. “Polytechnique” se enquadra perfeitamente nesse esteriótipo de obra que acabei de descrever ao introduzir o espectador num contexto inquietante causado pela caótica mente de um assassino perturbado. Filme baseado no Massacre da Escola Politécnica de Montreal em 1989. As informações da Wikipedia em português sobre o fato podem ser acessadas clicando-se aqui.

Um ou mais atiradores que entram em escolas e realizam chacinas ou massacres é um fato já abordado pelo cinema em algumas obras, pois, infelizmente, no dia-a-dia, fatos dessa natureza são recorrentes, principalmente nos Estados Unidos. Talvez, o filme mais famoso sobre essa conjuntura seja “Elefante” (2003), de Gus Van Sant, sobre o Massacre de Columbine, que ganhou a Palma de Ouro em Cannes. Por esse motivo, é o filme que será escolhido como base de comparação. Perebe-se que, através de uma comparação deste tipo, temos a certeza de que o cinema é uma arte apaixonante, pois permite várias abordagens excelentes e competentes sobre um mesmo tema. Ao passo que “Elefante” concede um viés artístico e superficial à carnificina, ao preferir mostrar substancialmente o cotidiano das relações interpessoais das pessoas envolvidas no fato, vítimas e criminosos, “Polytechique” aprofunda mais a discussão, pois escolhe 3 personagens e os representa na tela através de várias camadas, de vários contextos, no intuito de não apenas exibir fatos, como em uma forma documental, apesar de se tratar de uma dramatização, mas trabalhar outras temáticas relevantes, principalmente a misoginia, que, por sinal, foi apontada como motivação para o crime na carta de suicídio do assassino, Marc Lépine.

Por essa abordagem mais íntima de 3 pessoas, o filme ganha e perde ao mesmo tempo. Ganha em proporcionar empatia a seu público ao socializar algumas nuances da vida dos personagens, no sentido de que, à medida que suas almas são dissecadas, um crescente interesse pelo público é normalmente observado pela possibilidade de enxergar proximidade com a realidade nas cenas exibidas. Entretanto, o filme perde por dividir igualmente o interesse ora citado, que deveria recair sobretudo sobre o assassino. Sua alma poderia ter sido detalhada à exaustão, afinal a história real motstra que ele deixou textos reveladores em seu bolso. Considero o grau de perda com a estratégia narrativa utilizada como mínimo, afinal, os outros dois personagens representam e personificam aspectos interessantes no contexto proposto. São eles: Jean-François e Valérie. O jovem estudante personifica a testemunha ocular proativa, que tenta de alguma forma ajudar às vítimas, e a moça personifica o esteriótipo de mulher que provoca os maiores medos e as maiores revoltas na mente de Lépine, por ser lutadora e buscar seu espaço na sociedade masculina, pois queria ser engenheira espacial –  um meio preenchido sobretudo por homens. Valérie destoa daquela romântica denominação concedida ao sexo feminino, o chamado sexo frágil, e, por isso, ela e mais 17 mulheres eram consideradas feministas por Lépine, pois queria diminuir a importância do homem na sociedade. Ainda sobre a divisão de responsabilidades na narrativa, a gênese da ojeriza do criminoso pelas mulheres possuía uma estrada pavimentada para ser expolorada, mas o diretor preferiu superficializar nesse sentido e “partir para o ataque” desde o início, que é impactante por natureza e já obtém instantaneamente o interesse necessário de seu público. Em um filme curto, não há espaço para subterfúgios ou cenas extremamente massantes ou preparatórias para a consecução dos fins. A objetividade dá o tom da sinfonia macabra e gera tensão extrema, ajudada pela ótima atuação do elenco e a materialização rápida e explícita das mensagens que se quer transmitir. Deve-se destacar também a belíssima fotografia em preto e branco, que sempre considero como uma forma poética e suve de se exibir sangue em um filme, e a competente trilha sonora, que potencializa muito as sensações providas pelo filme.

Como se depreende, “Polytechnique” não se furta de trabalhar o lado humano – ou desumano – dos personagens para pessoalizar seu enredo e tentar entrar numa seara mais psicológica, mas, ao mesmo tempo, concreta, pelo grande foco dado às ações em detrimento do abstrato. Trata-se do primeiro filme com repercussão de Dennis Villeneuve, que hoje é um diretor consagrado. Foi o início do desenvolvimento de seu estilo, que, definitivamente, faz o espectador ficar inquieto, ou seja, retira-o fortemente de sua zona de conforto. Essa capacidade é para poucos!

O trailer segue abaixo.

Adriano Zumba


 

 

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