Geração roubada (2002)

Título original: Rabbit-proof fence

País: Austrália

Gêneros: Aventura, biografia, drama, história

Elenco Principal: Everlyn Sampi, Tianna Sansbury, Kenneth Branagh

Diretor: Phillip Noyce

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt0252444/


Citação: ” Lá, porque as pessoas usam ferramentas neolíticas (da Idade da Pedra), não quer dizer que tenham mentes neolíticas.”


Opinião: “Crítica dolorida sobre duas das mais perversas atuações humanas possíveis: a ganância e a limpeza étnica.”


Existe uma famosa frase, a qual já escutei muito, que diz: “quanto mais conheço a humanidade, mais gosto de meus cachorros.” Passeando pelas histórias baseadas em fatos reais – muitas vezes desconhecidas do grande público, como esta – que são mostradas pela cinematografia mundial, cada vez mais levo em consideração essa afirmação. Nada melhor do que introduzir um texto que analisa esse tipo de filme com a sua própria introdução, pois já situa o leitor na conjuntura histórica que é dramatizada. Eis abaixo:

“Durante 100 anos o povo aborígene resistiu à invasão das suas terras pelos colonos. Agora, uma lei especial – o Ato Aborígene – controla as suas vidas em cada detalhe. O Sr. A. O. Neville, o Protetor Chefe dos Aborígenes, é o guardião legal de cada aborígene no Estado da Austrália Ocidental. Ele tem o poder para remover qualquer criança mestiça (nascida do cruzamento entre uma pessoa branca e uma aborígene) da sua família em qualquer parte do Estado.”

Para complementar a ambientação do leitor na conjuntura e por o objetivo deste post ser analisar o filme, clicando-se no link a seguir, será carregado um texto bastante elucidativo, desenvolvido pela Universidade Federal de Santa Catarina, sobre a questão dos aborígenes na Austrália e sobre aspectos específicos de sua história, que, por sinal, sãos abordados fielmente no filme em tela. Clique aqui.

Eis a sinopse do filme: Molly Craig é uma jovem australiana de 14 anos que, em 1931, ao lado de sua irmã Daisy, de 10 anos, e sua prima Gracie, de 8 anos, foge de um campo do governo britânico da Austrália, criado para treinar meninos e meninas aborígenes para que trabalhem em subempregos nas residências das pessoas brancas. Molly guia as meninas por quase três mil quilômetros através do interior do país, em busca da cerca que o divide (a chamada cerca anti-coelhos, pois a invasão desses animais na época estava desequilibrando o ecossistema do país) e que a permitiria voltar para sua aldeia de origem, de onde foram tiradas dos braços de suas mães. Na jornada, elas são perseguidas pelos homens de A. O. Neville, o qual não admite que as meninas não estejam de acordo com o ditado pela “sabedoria” branca e cristã.

Em mais uma pertinente aula de história proporcionada pela sétima arte, “Geração roubada” promove uma viagem rumo a mais um exemplo de desumanização das pessoas por interesses imperialistas e/ou capitalistas, que mostra pela enésima vez o lado mais obscuro do bicho homem ao longo do tempo. Trata-se de um roteiro muito objetivo e mais raso e trivial do que deveria, pois gasta a maioria do seu tempo mostrando a longa viagem das meninas (cerca de 3000 quilômetros), considerando aspectos intrínsecos e repetitivos atribuídos a esse tipo de abordagem, como o sol, a fome, a sede, o medo, a exaustão, etc. Havia muitos outras formas de abordagem que proporcionariam um desenvolvimento mais íntimo e aprofundado dos personagens, contudo, escolher um caminho padrão e tantas vezes representado no cinema foi uma saída segura e eficiente. Por exemplo, uma atenção maior à relação das meninas com seus entes queridos e com o meio em que viviam seria uma boa estratégia para estabelecer uma conexão emocional do espectador com a narrativa baseando-se em aspectos muitas vezes tão caros para as pessoas, como a família e o amor à terra. A narrativa, contudo, prefere conectar o público através da dor, da resiliência e da angústia ao construir algo como um “western aborígene”.  No entanto, a despeito de um melhor aproveitamento da história real – que é fantástica – o filme promove uma experiência cinematográfica bastante válida para seu público, com direito a uma surpresa final deveras emocionante e inesquecível.

Lembrando que o filme é baseado no livro “Follow the Rabbit-Proof Fence” (1996), escrito pela filha de Molly, Doris Pilkington Garimara, percebe-se que apenas uma parte da história foi dramatizada, isto é, havia espaço para enriquecer muito mais a narrativa em seu conteúdo. Outros fatos reais após o retorno das meninas, que também são bastante relevantes, são apenas “pincelados” no desfecho do filme em forma de texto. Não que isso tenha interferido na qualidade da obra cinematográfica em si, mas, ao fim, o espectador normalmente estará bastante envolvido com a narrativa inspiradora e ávido por “vivenciar” mais e mais, através da imersão proporcionada, a história daquelas pequenas guerreiras. Julgo que a participação no filme da autora do livro como personagem seria oportuna, por isso, alguns minutos a mais deveriam ter sido incluídos em nome da completude e do prazer proporcionado aos espectadores.

Ademais, deve-se elogiar a bela fotografia das paisagens australianas que são exibidas e a excelente atuação do elenco que, em um rápido olhar, nota-se a maioria dos artistas como não profissionais, entretanto, conseguem entregar veracidade às situações propostas por intermédio de suas atuações. É indubitável que “Geração roubada” é um filme importante pela denúncia e estimulante por seu conteúdo, mesmo com todos os clichês utilizados. Uma narrativa baseada na luta pela dignidade e pela sobrevivência é sempre pertinente, principalmente se for baseada em fatos reais. Para finalizar trazendo o pensamento para nossa realidade histórica – a do Brasil -, saliento que é impossível não lembrar de nossos índios após a exibição do filme, pois os simbolismos apresentados provocam uma automática correlação. A estupidez imperialista/colonialista atuou e atua em diversas frentes até os dias atuais, “roubando” várias e várias gerações. Apenas uma nefasta constatação que costuma transitar na seara da normalidade!

O trailer segue abaixo.

Adriano Zumba


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