A vida, acima de tudo (2010)

Título original: Le secret de Chanda

Título em inglês: Life, above all

Países: África do Sul, Alemanha

Duração: 1 h e 40 min

Gênero: Drama

Elenco Principal: Khomotso Manyaka, Keaobaka Makanyane, Harriet Lenabe

Diretor: Oliver Schmitz

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt1646111/


Citação: “Você a envenenou com seu leite.”


Sinopse: Na pequena cidade de Elandsdoorn, um município sul-africano não muito longe de Joanesburgo, a vida é simples e serena. Lá, vive Chanda, de 12 anos, que é uma jovem e promissora estudante com expectativas de um futuro brilhante pela frente, mas sua vida muda dramaticamente quando sua irmã, com apenas alguns poucos meses de vida, morre inesperadamente. Com o coração partido, a mãe de Chanda, Lillian, começa a apresentar sintomas de uma grave doença. Seu padrasto se afoga no álcool, deixando a jovem para cuidar de seus dois irmãos menores. Enquanto isso, por conta de um boato sobre a família de Chanda que se espalha rapidamente na comunidade, os vizinhos, antes amigáveis, ​tornam-se cada vez mais distantes. Suspeitando que a irracionalidade das pessoas tenha relação com a doença que assola sua genitora e a morte de sua irmãzinha, Chanda exige respostas, mas só encontra silêncio. Não querendo mais carregar sozinha o fardo que recai em suas costas, a jovem sai em busca de sua mãe – que foi embora no intuito de protegê-la – para, com isso, descobrir a verdade escondida.”


HUMANIDADE ACIMA DE TUDO.


Eis um filme que, a cada segundo de sua exibição, possui uma relação de pertencimento impressionante ao único gênero cinematográfico atribuído a ele, entretanto, não se trata de um drama qualquer, mas um drama composto por várias camadas, que desnuda “realidades reais” através da ficção, revela nuances culturais e religiosas estranhas do país de origem, a África do Sul, e utiliza a humanidade – incluindo ataques a ela – como princípio basilar de sua narrativa, o que por si só já concede a obra uma capacidade atrativa muito grande, principalmente para o público voltado a filmes com propostas reflexivas. Também e “acima de tudo”, esta bela obra sul-africana trabalha a vida através de arcos dramáticos particulares de seus personagens, os quais são  inseridos em um microcosmo sofrido por natureza, cujas dificuldades são potencializadas pelo comportamento da sociedade fictícia local que se baseia no medo, na desinformação, no preconceito e na mentira. O filme é uma pérola cinematográfica humanista, sobre a qual teço minhas impressões abaixo.

No início de outra sinopse encontrada na internet, pode-se ler: “nada é mais contagioso do que a mentira”. Posso perfeitamente começar a análise sobre o filme em tela considerando o significado que essa frase possui dentro do contexto proposto, que é perfeito e completo, pois a palavra contagioso representa, ao mesmo tempo, duas das temáticas mais relevantes trabalhadas no enredo: a mentira, como explicitamente revelada, e a AIDS, um mal que historicamente assola inúmeras regiões da África, sobretudo as mais pobres. No filme, trabalha-se com muito enfoque e eficiência o poder destrutivo da disseminação de algo impreciso, principalmente em uma conjuntura caracterizada por um forte sentimento de medo e desinformação. Para isso, uma família inteira é escolhida como paciente das ações dos personagens – e da doença -, e, aos olhos espertos de Chanda, situações terríveis são postas à apreciação do espectador, sempre em busca de piorar o que já está difícil, mas, diga-se de passagem, sem qualquer tipo de pieguice, sem a necessidade de fazer apologia à miséria, e sim exalando realidade com a aplicação de sensibilidade extrema em todos os seus momentos. Trata-se com certeza do chamado “cine-miséria”, pela série de situações difíceis que são apresentadas, mas, nesse caso, foram implementadas com muita responsabilidade e destreza.

Indubitavelmente, a proposta do filme funciona pela presença de suas personagens femininas. Vou destacar 3 delas: Chanda, Esther e a Sra. Tafa. Chanda e Esther são as crianças que são forçadas a serem adultas pela conjuntura. Ao passo que Chanda tem que escolher o caixão de sua irmã, por exemplo, Esther introduz outra temática importante na narrativa, a prostituição, a que se submete em nome da sobrevivência, já que seus pais foram vítimas da AIDS. Notem a relação íntima entre o trabalho da jovem e a doença que levou seus pais. Esther é malvista na comunidade e Chanda, com seu bom coração, é a única que lhe proporciona amizade e acolhimento. Esther tem um sorriso largo e comovente que desmente seu status de pária em uma comunidade onde o medo da AIDS alimenta a intolerância, a crueldade e coisas piores. Chanda assume responsabilidades precoces, apresentando um espírito assustadoramente forte ao longo do filme, mas nunca perde sua essência pueril para se sentir real, e assim, sustentar emocionalmente a sua família, aceitar e ajudar sua amiga Esther e fazer julgamentos isentos e humanos sobre as situações que são postas. Por sua vez, a Sra. Tafa, que ajuda a cuidar dos filhos de Lilian, apresenta o mesmo padrão de comportamento dos demais moradores da cidade, mas, com o tempo, sofre uma mudança interessante de concepções e pensamentos, dado o contexto que vai se desenhando. Ela tem grande importância no desfecho do filme.

Por intermédio das 3 personagens citadas acima e porque não de Lilian também, “A vida, acima de tudo” versa sobre emoções humanas profundas evocadas com simpatia e amor e culmina num desfecho “mágico”, improvável e libertador, denotando uma mensagem de otimismo ante às desgraças e misérias apresentadas durante toda a sua exibição. É um drama doloroso que conta histórias de resiliência  e sofrimento, mas sem estereótipos ou padrões sobre a vitória da alma humana, pois possui os pés no chão e não promete campos floridos em momentos futuros, mas, inegavelmente, deixa um alento. Um grande alento que simplesmente emociona.

Obs.: O filme foi baseado no romance “Chanda’s Secrets“, do escritor canadense Allan Stratton.

O trailer, com legendas em inglês, segue abaixo.

Adriano Zumba


TRAILER

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