Análise sobre o Oscar de melhor filme 2019

E mais uma vez chegou a hora de cada cinéfilo, crítico – profissional ou amador -, palpiteiro, curioso, etc., dar a sua opinião sobre a disputa do melhor filme na premiação cinematográfica mais famosa do mundo, o Oscar. Eu, como pertencente às quatro classes de pessoas elencadas acima, não poderia me omitir neste momento tão representativo do cinema mundial. Seguem abaixo minhas impressões. Concordem ou discordem.

Considero a lista deste ano bem diversificada. Desta vez, não há apenas aqueles filmes dramáticos, que normalmente costumam preencher a maioria das posições no rol de indicados. Em 2019, a heterogeneidade dá o tom da sinfonia e há uma temática preponderante, a qual aparece em 3 filmes: o racismo. Identifiquei também filmes pertencentes a 3 vertentes do cinema: os tais filmes dramáticos – com pinceladas ou não de outros gêneros cinematográficos -, os quais vou chamar de “filmes convencionais”, que são filmes americanos de sucesso, mas sem aquele viés de puro entretenimento e lucros astronômicos quando comparados aos filmes da próxima categoria que estou propondo; os blockbusters, que são as minas de dinheiro de Hollywood e possuem um grande apelo popular e grande bilheteria ao redor do mundo; e os chamados “filmes de arte”, que são aqueles produzidos principalmente fora dos Estados Unidos e possuem características próprias, como a lentidão narrativa, o viés humanista e social, a riqueza de detalhes, a necessidade de provocar reflexões, o grande esmero em determinados aspectos técnicos, etc. Saliento que essa definição de filme de arte é controversa. Teorias à parte, podemos enquadrar os escolhidos nessas 3 categorias, como mostrado abaixo. Essa classificação pode ser alvo de críticas de acordo com o ponto de vista de cada um.

Entre parênteses estão o orçamento para a produção do filme e a arrecadação obtida em bilheteria até o presente momento (final de Janeiro/2019) em milhões de dólares; lembrando que alguns filmes estrearam há pouco tempo nos cinemas, como o filme “Vice“. Valores retirados do site IMDB.

  • Filmes convencionais: “A favorita” (15/42.5), “Green Book” (23/42.5), “Infiltrado na Klan” (15/25), “Vice” (60/42);
  • Blockbusters: “Bohemian Rhapsodhy” (52/433), “Nasce uma estrela” (36/206), “Pantera Negra” (200/1300);
  • Filmes de arte: “Roma” (números não disponíveis).

As críticas individuais de cada um deles – já publicadas pelo blog – estão abaixo. Os trailers de cada filme podem ser vistos em seu respectivo post.

Considero que a escolha de um filme dentre uma série de indicados deve levar em consideração todos os aspectos que são agrupados para compor uma obra audiovisual, apesar de acreditar que alguns desses aspectos têm mais peso do que outros, como o roteiro, as atuações e a direção. Especificamente, em relação ao Oscar, há outros fatores que influenciam no resultado, como, por exemplo, a conjuntura política/social, que costuma interferir na escolha dos votantes, e também convicções íntimas de cada um, como disse certa vez o ator Samuel L. Jackson, que só vota em amigos. O aspecto étnico/social está em alta na edição de 2019, pois 5 dos 8 escolhidos trabalham temáticas relacionadas a esse contexto. São eles: “A favorita”, “Green Book“, “Infiltrado na Klan“, “Pantera Negra” e “Roma“. Apenas por essa característica, que sempre atrai a atenção dos votantes e do público, já coloco os 5 filmes entre os favoritos para levar a tão almejada estatueta, entretanto, há alguns aspectos excludentes que devem ser considerados, pois se trata de uma disputa entre grandes obras que normalmente é decidida por detalhes. Nesses critérios de exclusão enquadro primeiramente o filme “Pantera Negra“. Trata-se de um filme desbravador, pioneiro, por fazer parte de um grupo de filmes normalmente rebaixados a um patamar artístico inferior, em razão de ser categorizado depreciativamente como “filme de super-herói” – classificação que denota uma obra voltada apenas para o entretenimento fácil/fútil e a exibição de efeitos especiais. Apesar de apresentar conteúdo e não apenas diversão, seria realmente muita pretensão que já levasse o Oscar de melhor filme na primeira vez que um filme desse tipo consegue uma vaga entre os indicados. “Nasce uma estrela” é simplesmente emocionante! Um filme produzido para abraçar o público com sua narrativa, mas parece que a crítica e os profissionais do cinema concederam apenas a mão para receber um bom aperto. Os êxitos do filme nas premiações pré-Oscar se resumem à canção Shallow, que, diga-se de passagem, deve levar o Oscar, e a alguns poucos louros da vitória para Lady Gaga. Talvez, por se tratar da terceira refilmagem de um filme de 1937, ele não atraia tanto as atenções quando comparado com os outros, mas é sim um filme muito especial. “Bohemian Rhapsody” explodiu nas bilheterias dos cinemas de todo o mundo, tem uma atuação monstro de Rami Malek como Freddie Mercury e faz uma bela homenagem ao Queen – por isso conseguiu atingir o coração do grande público -, entretanto, o roteiro cheio de “furos” e inverdades prejudicou seu desempenho nas disputas de que já participou. A indicação ao Oscar já pode ser considerada uma glória, pois, na minha opinião, há  alguns filmes melhores que poderiam ter ocupado o seu lugar na lista final. “Infiltrado na Klan” é um dos melhores filmes do ano de 2018, tem um roteiro realmente excepcional e a direção sempre competente de Spike Lee, no entanto, faltou destaque nas atuações quando comparamos com as dos outros concorrentes. Uma dupla composta por Viggo Mortensen e Mahershala Ali – a dupla de “Green Book” – em seu elenco teria feito muito bem! Isso é algo que, se formos levar em consideração o filme individualmente, não compromete, mas numa disputa influi bastante. Já com “Vice“, acontece o contrário, ótimas atuações e roteiro sem magnetismo. Deixa a impressão de que está indicado para preencher alguma cadeira cativa em relação a temáticas políticas que costumeiramente estão presentes no Oscar. “A favorita” é um primor estético e estilístico. O próprio ambiente em que a narrativa se passa contribui para isso e exigiu da direção de arte do filme um alto grau de excelência para a construção dos cenários, figurinos, cabelos e maquiagens. A direção de Yorgos Lanthimos é menos ousada do que o convencional em relação à sua filmografia, mas vemos o tempo todo recursos fílmicos não usuais, que concedem uma diferenciação em relação aos demais. Nem posso dizer que Olivia Colman, Rachel Weisz e Emma Stone carregam o filme nas costas, dada a primazia de quase todos os outros aspectos, mas as atuações das atrizes que compõem o trio de protagonistas é, indubitavelmente, o melhor do filme. O roteiro está indicado ao Oscar e tem outras inúmeras indicações ao longo da temporada, entretanto, não é o que podemos chamar de obra-prima narrativa. É simples e previsível, porém bastante competente. Um roteiro mais refinado aumentaria muito suas chances de Oscar, pois ele se destaca em quase tudo. No meu entender, “A favorita” é medalha de bronze.

Como se nota, reduzi o meu espaço amostral para “Green Book” e “Roma” como candidatos à estatueta, mas com uma grande dor por ter desconsiderado “A favorita“, que é um filme realmente espetacular. Vou fazer uma comparação entre os dois nos mais diversos aspectos para chegar a uma conclusão. Primeiro, vamos a uma informação política. Segue uma reportagem de “O Globo” sobre a eleição de Donald Trump em 2016: clique aqui. Percebe-se o grande apoio da classe artística à Hillary Clinton naquele escrutínio e a decepção causada por sua derrota. Ademais, Donald Trump utilizou como bandeira de luta em sua campanha a construção de um muro na fronteira com o México. “Roma” é uma produção mexicana e tem um diretor da mesma nacionalidade, apesar de também ter contado com capital americano. Uma eventual vitória de “Roma” seria, metaforicamente, um tapa na cara de Trump. Sempre é bom considerarmos essa informação, pois a política está sempre pairando sobre o Oscar. Ao passo que há esse detalhe político no contexto, há também o forte nacionalismo que os americanos carregam consigo, o que teoricamente joga contra qualquer filme estrangeiro que esteja concorrendo ao Oscar de melhor filme. É bom lembrar que nas outras vezes em que um filme estrangeiro concorreu à maior premiação da noite, nunca obteve êxito – “Shakespeare apaixonado” ter ganho de “A vida é bela” foi um assalto à mão armada. Esses fatores externos deveriam ser irrelevantes, mas não são! Deve-se levar em consideração também a milionária campanha de marketing da Netflix para promover “Roma” entre os votantes da Academia – a qual, por outro lado, já é alvo de críticas pela agressividade. Trata-se da campanha mais cara da história do Oscar, tendo sido destinados 20 milhões de dólares para a finalidade, segundo li em alguns sites. Um eventual Oscar de “Roma” alavancaria sobremaneira a plataforma de streaming sobre a qual a Netflix ergue o seu império.

Como obra cinematográfica, “Roma” é muito mais rica do que “Green Book“, principalmente no que tange à direção e aos recursos audiovisuais. A direção de arte – ou design de produção – de “Roma” se sobressai bastante: como ambos os filmes têm suas histórias passadas mais ou menos na mesma época, esse critério é excelente para realizar uma comparação. Foi um trabalho primoroso de reconstrução do México da década de 70. No entanto, “Green Book” tem o roteiro mais envolvente e mais fluido dentre os indicados – alguns consideram esse aspecto como o calcanhar de Aquiles de “Roma” -, e a força de seu elenco é imensurável – em pé de igualdade com a do elenco de “A favorita“. Em resumo, “Roma” ganha em direção e na maioria dos aspectos técnicos, e “Green Book” ganha em roteiro e elenco. É bom também considerar o desempenho nas premiações pré-Oscar. “Roma” vem levando quase tudo nas mais diversas premiações, principalmente na categoria Melhor Filme Estrangeiro, mas também tem levado a melhor quando a premiação o coloca como concorrente dos filmes americanos. Suas principais vitórias foram no Critic’s Choice Awards e no BAFTA. Por outro lado “Green Book” tem conquistado menos vitórias, mas elas são “cirúrgicas”, pois são obtidas em alguns dos principais termômetros do Oscar, como no Producers Guild Awards, que é a premiação dada pelo Sindicato dos Produtores da América, cuja maioria dos integrantes têm direito a voto no Oscar.

No fim das contas, não consigo esconder a minha admiração por “Roma“. Para mim, é tudo perfeito, mesmo havendo quem diga o contrário. É indubitavelmente o melhor filme do ano de 2018, é uma obra de arte, é uma aula de cinema, contudo, se eu fosse fazer uma aposta, o escolhido seria “Green Book” – os americanos não darão o Oscar de melhor filme para um filme estrangeiro.

Aposto em “Green Book“, mas torço com todos os meus brios por “Roma” – só a cena mostrada no poster já vale o Oscar de melhor filme, melhor fotografia, melhor direção e…

… melhor emoção.

Façam também as suas apostas e deem suas opiniões. A minha já é pública e notória, e faço questão de ter apostado errado!


Adriano Zumba

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