Manhattan (1979)

País: Estados Unidos

Duração: 1 h e 33 min

Gêneros: Comédia, drama, romance

Elenco Principal: Woody Allen, Diane Keaton, Mariel Hemingway

Diretor: Woody Allen

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt0079522/


Citações:

  • “Você parece o rato de Tom e Jerry quando fala.”
  • “Preciso pegar meu cachorro. É um Bassê. É substituto do pênis para mim. Talvez no seu caso fosse bom um dinamarquês.”
  • “Mas você estava tão sexy. Estava ensopada pela chuva e eu estava com um impulso louco de jogá-la na superfície lunar e cometer uma perversão interestelar com você.”
  • “Você é a resposta de Deus a Jó.”
  • “Tenho dinheiro suficiente por um ano, se eu viver como Mahatma Gandhi.”

Opinião: “A graça do cinema de Woody Allen desfila na passarela esburacada do amor com a sagacidade de seu humor.”


Woody Allen é único, pois seu estilo de fazer cinema também é único. É um diretor que produz filmes que pertencem ao gênero cinematográfico Woody Allen. Simples assim! É um diretor que “sempre faz filmes do mesmo jeito”, segundo vozes mais críticas, porque faz do cinema autoral uma marca registrada de seu ofício. Dois anos após a glória de “Noivo neurótico, noiva nervosa” (1977) no Oscar, que marcou uma virada na sua carreira, propiciou reconhecimento e representou o primeiro passo na construção do estilo ora citado, o filme em tela, “Manhattan“, a segunda obra-prima de Woody, consolidou o “pequeno judeu” como um dos cineastas mais promissores de sua geração e mostrou ao mundo um cinema requintado, com roteiro envolvente, bela fotografia, músicas elegantes, personagens desenvolvidos com profundidade absurda e, sobretudo, apresentou toques de humor tão inteligentes, tão bem concatenados com a narrativa, que é absolutamente impossível não ter 90 minutos prazerosos através da experiência que o filme proporciona. Um primor de obra cinematográfica!

Eis a sinopse: Um escritor de meia-idade divorciado, Isaac, sente-se em uma situação constrangedora quando sua ex-mulher, Jill, decide viver com uma amiga, em um romance homossexual, e publicar um livro, no qual revela assuntos muito particulares do relacionamento deles. Neste período, ele está apaixonado por uma jovem de 17 anos, Tracy, que corresponde prontamente a este amor. No entanto, ele se sente atraído por uma pessoa mais madura, Mary, a amante do seu melhor amigo, Yale.

A cabeça de Woody Allen é um dínamo, pois gera ideias continuas, o que é prontamente provado pelos caminhos frenéticos de seus personagens em sua filmografia. Quanto mais minutos disponíveis, mais tempo eles brilham! A cabeça de Isaac, seu personagem no filme, também é um dínamo, pois considera uma gama de possibilidades, assim como no texto sobre New York nos minutos iniciais do filme. Nesse sentido, uma tempestade de ideias real ou de possibilidades ficcional gera a dúvida, a qual é o principal fio condutor de “Manhattan“. Todos os personagens-chave estão afundados em dúvidas em relação a algum aspecto de suas vidas, principalmente no âmbito amoroso. A indefinição reina, e, para encerrar esse estado, os personagens agem objetivamente, ou seja, experimentam as oportunidades independentemente das consequências, o que gera muita confusão e pavimenta o caminho para o diretor voltar às suas origens como comediante, mas com garbo e refinamento, ao dramatizar situações inusitadas e possibilitar a inserção de piadas (não-formais) sutis, ácidas e sarcásticas entre os diálogos apresentados, que são o ponto forte do filme – apesar de, às vezes, intelectualizados demais, mas inegavelmente naturais -, pois o canal de comunicação entre os protagonistas não cessa na maioria da exibição, a não ser quando Woody expressa seu amor pela Big Apple – apelido dado à New York – através de sua câmera em belíssimos momentos contemplativos.

O roteiro trabalha a busca do auto-conhecimento em seus personagens por intermédio da imposição da rejeição, do surgimento de tentações, da infidelidade e da consideração de um universo conjugal volátil, com amarras aparentemente fáceis de ser rompidas, no qual há a sensação de descompromisso pujante, mesmo existindo sentimento na conjuntura – algo que pode ser chamado de amor líquido ou fluido. Os personagens são sinceros sempre que possível e externam suas vontades e pensamentos com facilidade, não obstante a dúvida insistir em pairar sobre suas existências, o que dá aquela sensação de “cachorro correndo atrás do próprio rabo”, de vidas cíclicas, que partem de um determinado ponto, experienciam diversas jornadas, e retornam à origem por denotar segurança. Assim, Woody cria uma “corda bamba”, uma “corda de equilibrista” deliciosamente arriscada, coloca os corações de seus personagens sobre ela e faz com que uma série de correntes de ar a balancem cada vez mais. Os que caírem buscarão retornar, os que permanecerem buscarão continuar a jornada, pois a referida corda é um jogo de estratégia recheado de interesses dos mais variados tipos que se chama amor.

Difícil apontar defeitos no trabalho do elenco e nos aspectos técnicos do filme. A construção dos personagens propicia uma identificação imediata por parte do público, o que facilita sobremaneira o trabalho dos artistas. Nem mesmo a jovem e bela Mariel Hemingway, em seu segundo longa-metragem, contracenando com atores e atrizes famosos e consagrados, apresentou alguma insegurança. A prova disso foi sua indicação ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante. Diane Keaton está divina na interpretação de uma personagem complexa e instável, Mary. E Woody… o que dizer sobre ele? Frenético, intenso, envolvente, às vezes chato, ou seja, ele é protagonista onde quer que atue, seja como diretor, como ator, como escritor, como comediante, etc. O que dizer também da fotografia? Magníficos retratos em preto e branco da cidade, vide a cena da ponte que está mostrada no poster, entre outros elogiáveis planos abertos apresentados ao longo da exibição. Em relação à música, ela mostra poder no refinado jazz de George Gershwin, que é interpretado pela Filarmônica de New York sob a batuta de Zubin Mehta e funciona como um “som ambiente” de luxo dentro da obra. Por falar em arte, ela também aparece em diversas referências meticulosamente “plantadas” na narrativa: Van Gogh, Paul MacCartney, August Strindberg, entre outros.

Em suma, “Manhattan” é um filme excelente no sentido de exibir excelência em todos os aspectos que compõem uma obra cinematográfica. Trata-se de uma viagem ao fundo da alma de um conjunto de pessoas em busca de amor e afirmação. Um filme com conteúdo simples, mas desafiador, que insta o espectador a buscar uma saída palatável, enquanto exibe arte e balbucia sarcasmo. Esse é o estilo de Woody Allen, que é uma figura controversa em sua vida pessoal, que é recheada de polêmicas – e algumas delas muito sérias -, entretanto, possui um inegável talento que resiste à passagem do tempo e aos obstáculos que a vida lhe impôs. Há mais de meio século, o mundo do cinema recebe requinte e inteligência através de seus filmes, principalmente após o fim de sua fase mais voltada à comédia pastelão. Woody Allen, já em fins da década de 70 do século XX, parecia interminável. Hoje, em pleno ano de 2020, percebe-se que sua criatividade transpassa as gerações e sua genialidade é incopiavel.

Ao fim ainda fica uma mensagem que remete à efemeridade e a imperfeição do mais nobre dos sentimentos, entretanto, também remete à necessidade como um possível caminho para a felicidade. Uma mensagem que ainda hoje é perfeitamente aplicável.

O trailer segue abaixo.

Adriano Zumba


 

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