Hindi Medium (2017)

País: Índia

Duração: 2 h e 12 min

Gêneros: Comédia, drama

Diretor: Saket Chaudhary

IMDB: www.imdb.com/title/tt5764096/


Assisto a filmes dos mais diversos países e identifico características peculiares nas produções de cada um. Até pela quantidade de filmes indianos que comento aqui no blog, não é segredo que gosto muito do cinema escapista e comercial de Bollywood. Normalmente, essas peculiaridades repelem a minha vontade de assistir a um filme, porém, quando se trata de uma produção indiana, assisto sem medo, pois sei que vou encontrar críticas sociais em meio a situações cômicas e roteiros muito bem acabados. Não são os chamados “filmes de arte” – denominação de que não gosto -, que são minha preferência, mas me agradam completamente e me deixam satisfeito após mais uma jornada audiovisual ao país do elefantes. Dito isso, “Hindi Medium” é mais uma obra cinematográfica indiana com bastantes qualidades – e que se enquadra no exposto acima -, que toca em assuntos delicados do sistema educacional indiano, que, diga-se de passagem, podem ser estendidos a outros países do mundo, por tratar do sistema de quotas e seus problemas e anomalias, principalmente ligados à corrupção.

O filme mostra a saga do casal Raj e Mita para obter uma vaga em uma escola de nível médio para sua filha Pia. Para entender a dificuldade, é necessário conhecer como funciona o sistema educacional indiano, e sobre isso vou discorrer nos próximos parágrafos. A verdade é que, após tentativas frustradas pelas vias legais e convencionais, em um ato impensado e até desesperado, o casal decide usar meios fraudulentos – com a ajuda de funcionários da escola e um bom jogo de cintura – para a admissão de sua filha na melhor instituição privada de ensino da capital, Nova Délhi.  Contudo, eles não contavam com as implicações desse ato.

Para um melhor entendimento, vou apresentar as características dos protagonistas. Raj possui uma loja de roupas na periferia da capital e é muito bem sucedido em seu negócio. Apesar de ser rico, possui hábitos simples, educação rasteira e reside numa casa não condizente com o que ganha. É a personificação daquela velha frase feita: “ele saiu da pobreza, mas a pobreza não saiu dele”. Sua esposa Mita veio de uma família abastada e tem um nível cultural e intelectual bem maior do que o do seu marido. Por conta disso, ela insiste em dar o melhor que o dinheiro pode comprar para a filha do casal, Pia. Resumindo, Raj é rico com espírito de pobre e Mita é rica com espírito de milionária.

Cabe agora explicar o funcionamento do sistema educacional do país. Há escolas do governo que apresentam péssimas condições de ensino e instalações sucateadas. Elas são o destino da maioria dos filhos de pobres do país. Há as escolas particulares ou privadas, que, por lei, destinam 25% das vagas disponíveis a cada ano para, como eles dizem no filme, as pessoas desfavorecidas – o tal sistema de quotas. Como a demanda por vagas é alta, há regras de admissão – até esdrúxulas – para as pessoas que têm condições de pagar pelo ensino. No fim das contas, acaba sendo até mais fácil conseguir uma vaga por meio do sistema de quotas, pois há muita corrupção envolvida, do que preencher todos os requisitos para a admissão normal.

Após assistir ao filme, entendi algo que martelava na minha cabeça há tempos: “o motivo pelo qual os personagens de filmes indianos, que se expressam predominantemente no idioma hindi, falam tantas palavras em inglês”. Em muitos casos, o idioma falado num país é algo lapidado ao longo do tempo e reflete a cultura e os costumes de um povo, principalmente, se for um idioma “proprietário”, ou seja, que só é falado naquele país. É o caso do hindi, que tem relação direta com a religião hindu – principal religião da Índia – e é falado apenas no país e em Fiji, de forma minoritária. Uma frase me chamou a atenção durante o filme: “o inglês não é um idioma, mas uma classe neste país”. No filme, falar inglês na Índia é condição de existência para que uma criança possa ter um futuro próspero –  e ele não é ensinado em escolas do governo. O idioma é mostrado como objeto de segregação e fomento ao preconceito, e isso denota a perda paulatina da identidade concedida à população pelo idioma. Com o tempo, as palavras mais corriqueiras do inglês, como por exemplo as palavras sorry, bye e outras, foram sendo inseridas no dia a dia dos indianos sem que eles percebessem. São anomalias da globalização e característica de um país superpopuloso que, por conseguinte, exibe uma das maiores desigualdades do mundo.

Concomitantemente ao tema educacional, outro tema é tratado com a mesma importância, a luta entre classes sociais. Isso torna o filme bastante interessante. Ele alcança seu ápice quando o casal de protagonistas é inserido em meio à pobreza. O pequeno topo da pirâmide social é inserido em meio à base demograficamente densa da mesma, o que gera muitas situações inusitadas e cenas hilárias. É o tal jeito leve que o cinema indiano tem para mostrar distorções graves da sociedade de seu país. O “passeio na pirâmide” se torna ainda mais alegre quando o personagem Sham Prakash entra no jogo como um trabalhador inocente, cuja humanidade está intacta apesar das dificuldades. É através dele que o roteiro introduz uma lição de moralidade no contexto de vigarices e trapaças que é montado. É através dele que o espectador é levado à reflexão e à emoção. Mesmo em sua jornada sem fim de aspirações, humilhação e luta, Sham é inserido na história para trabalhar o senso de justiça das pessoas – personagens e espectadores.

A questão da admissão escolar pode ser o fio condutor principal da história, mas é a representação da luta de classes que torna “Hindi Medium” um filme importante. Recomendado para toda a família, inclusive para crianças, no intuito de mostrar que a honestidade é um dos valores humanos mais belos e desejáveis.

Só para encerrar e informar, o filme é baseado em fatos reais – mais um motivo para nos por a pensar.

O trailer segue abaixo.

Adriano Zumba


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